segunda-feira, 29 de março de 2010

Dawkins e o Gene Egoísta

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Esse é o título de um livro do biólogo britânico Richard Dawkins, onde ele descreve o conceito de gene egoísta. Os criacionistas de plantão, os cientistas sociais e psicanalistas que não entendem ou simplesmente fazem questão de não entender as  áreas relacionadas à biologia, se tremelicarão ao ler esse post, que trata de um tema quase herético para eles.

A primeira impressão que temos ao ler uma expressão como O Gene Egoísta é achar que o autor está prestes a falar coisas maléficas sobre a natureza humana, algo bem estilo Hobbes mesmo. Mas, nem de longe, se trata disso.

Já vimos no post sobre evolução, que os indivíduos que possuem características que proporcionam maior eficiência na reprodução e na sobrevivência se dão melhor do que os outros. Essa é uma idéia já bastante batida. Mas o que Dawkins fez, foi explicar isso do ponto de vista do gene, e não mais do organismo. Segundo ele, os genes são máquinas replicadoras, logo, existem vários genes coexistindo uns com os outros, mas alguns conseguem se replicar mais do que outros. Esses genes que conseguem se replicar mais são os que vão gerando mais descendentes de si mesmos, até os dias de hoje. Mas e daí? Como exatamente alguns genes conseguem se replicar mais que outros?

Suponha a seguinte situação: existe um gene A que em determinado momento se replica até gerar mais dois genes idênticos a ele, B e C. Em algum momento, B e C também se replicarão. Então, suponha que no momento dessa replicação, ocorra um erro e o gene D resultante tenha uma pequena diferença com relação aos originais, de forma que D produza uma membrana protetora em volta de si mesmo, através da decodificação de certas proteínas. Presume-se que D levará certa vantagem do que os outros, pois ele é imune a danos que prejudicariam sua capacidade de gerar mais genes. Dessa forma, D se replica e gera mais outros genes envolvidos por essa membrana. Agora, num salto de talvez 100 anos, imagine que outros erros nas replicações ocorreram e agora existe não mais um gene envolvido por uma membrana protetora apenas, mas genes que possuem um complexo responsável por uma produção de energia que proporciona uma maior taxa de replicação, uma segunda membrana protetora, que serve para reconhecer outras membranas e outras substâncias. Acabamos de inventar um processo semelhante ao que aconteceu com as primeiras unidades replicadoras até o surgimento das primeiras células, no nosso mundo.

A conclusão que Dawkins tira de processos desse tipo é que os genes estão sempre trabalhando em sua auto-promoção. Células, corpos, cérebros, seriam somente adereços destinados a servir como um otimizador na capacidade de procriação de si mesmos. Por isso são egoístas. Muitas pessoas nada desfavorecidas intelectualmente tentam deturpar tal visão alegando não ser ciência e sim metafísica o que o biólogo britânico faz.

Em situação pior tal visão entra ao propor que nós humanos, assim como os outros primatas, temos uma “vocação” para a criação de moralidade e outras características comportamentais. Durante muitos séculos, os sentimentos, emoções e comportamentos em geral foram vistos como atribuições de uma alma ou espírito metafísico que paira sobre nossas cabeças. Mas a observação de comportamentos parecidos, mas em menor intensidade, em outros primatas e pesquisas no ramo da neurociência cognitiva estão fazendo essas visões afundarem num mar de visões ultrapassadas, mas que ainda relutam em voltar à superfície.

Um dia desses li um texto no blog Anderson Wasser em que o autor convidava o leitor a fazer uma escolha entre o gene egoísta e a bondade de Madre Tereza de Calcutá. Uma questão como essa só poderia surgir de uma mente que não compreendeu o que Dawkins quis dizer. No post, o autor alega que não existe nada que ele ganhará, por exemplo, ao ajudar o próximo, portanto, não poderia existir nenhuma fagulha de egoísmo nessa atitude. De uma vez por todas: dizer que temos genes egoístas não significa dizer que somos seres egoístas. A própria empatia e solidariedade presente em diversas espécies, podem ser mecanismos “criados” (leia a OBS abaixo) por genes egoístas para otimizar a replicação desses genes.

OBS: quando dizemos que um gene tem certa característica para servir a determinado fim, na verdade queremos dizer que através de processos mutacionais aleatórios surgiram certas capacidades, que podem ou não levar vantagem na seleção natural.