sábado, 24 de julho de 2010

Usos e Abusos da Física Quântica (PARTE 2)

+A +/- -A

Este é o segundo post que tem como objetivo esclarecer a bagunça que físicos como Ami Goswami causam no mundo (sério) da Física.

“E a falsa idéia de que cientistas só trabalham com idéias racionais e matemáticas, está, aos poucos, caindo. Einstein disse isso muito claramente: “Não descobri a Teoria da Relatividade apenas com o pensamento racional”. As pessoas não levam a sério tais declarações. Mas Einstein falou sério. Ele sabia que a criatividade era importante. Agora, quase cem anos de pesquisas sobre criatividade estão mostrando que os cientistas também dependem da intuição.”

Sim, Einstein realmente disse isso. E também estamos percebendo o poder da criatividade como auxiliar na análise de cientistas e elaboração de hipóteses. Mas é preciso que fique claro que, por exemplo, no caso de Einstein, os cientistas não ficaram sabendo de sua idéia, acharam ela bonitinha e criativa e a adotaram.

Einstein penou por anos e anos para que sua hipótese fosse confirmada. E sem contar o fato de que Einstein desenvolveu a teoria inicialmente de forma racional mas para expor tudo de maneira adequada, ele teve que passar a idéia para o rigor matemático e objetivo tão renegado por Goswami. Usar a criatividade e a intuição na ciência não tem nada a ver com torná-las fatos científicos, e sim usá-las como ferramenta para se explicar os fenômenos.

“Eu já compartilhei a experiência fundamental pessoal que tive quando troquei... nem devo dizer que troquei, eu tive uma percepção. Não posso descrevê-la em termos de espaço-tempo. Eu estava fora do espaço-tempo, experimentando diretamente a consciência como a base do ser. É esse tipo de experiência que dá a base para ficarmos convencidos, para termos certeza de que a realidade é algo mais do que o espaço-tempo no mundo em movimento faz parecer.”

Quem leu pelo menos o início da entrevista viu com os próprios olhos o quanto o título de doutor e as universidades onde o físico trabalhou são citadas como algum tipo de selo de qualidade. Como que alguém que se diz físico pode falar coisas tão inseridas na subjetividade e tentar inserir isso em termos de realidade objetiva? Como assim ele estava fora do espaço-tempo? Não existe nenhuma hipótese verificável que garanta tal escape da realidade. Isso mostra que os títulos só servem mesmo de ostentação e pseudo-amostra de credibilidade, porque nesse ponto ele não tem uma atitude digna de um físico doutor e sim de um místico indiano que não sabe separar física de filosofia ou crendices.
  “Heródoto Barbeiro: Doutor Goswami, o senhor falou muito em Deus durante a primeira parte deste programa, e aqui no ocidente, quando se fala em Deus, se imagina que exista o seu contraponto. E aqui no ocidente se dá uma série de nomes a ele. Eu gostaria de saber como é que o senhor explica essa... se o senhor concebe a existência desse contraponto, dessas outras forças que não são necessariamente Deus.”
Li essa pergunta umas 3 vezes porque não conseguia entender como que um cientista que pesquisa física quântica poderia se dedicar a uma questão como essa. Mas o que mais me deixou enojado foi o fato de Barbeiro ter perguntado isso sério! A resposta que segue no texto da entrevista é um show de palavras que não explicam nada, então a única coisa que eu poderia fazer é colocá-las aqui e não comentar nada...porque como alguém pode comentar sobre algo que não tem significado algum?

“Joel Giglio: Doutor Amit, eu sou psiquiatra, analista Junguiano, formado pela Associação Junguiana do Brasil,(...)”
Quando li essa parte inicial já tive uma idéia do que se seguia. Os psicólogos junguianos também, em geral, são grandes místicos e deturpadores de idéias da Física. E ele segue com a seguinte pergunta: “A questão que tem me perturbado muito é: os arquétipos evoluem, embora eles estejam fora do eixo espaço-tempo?”. De fato essa é uma questão perturbadora até pra mim. Para simplificar, para a Física, o tal espaço-tempo é a própria realidade. Toda a matéria está contida nessa realidade, nesse espaço-tempo. Nós seres humanos somos feitos de matéria, logo, estamos introduzidos nesse meio. Os arquétipos certos padrões de pensamento, de processamento de informações, que aparecem na mente de todas as pessoas, em todas as culturas já estudadas. Uma das formas de provar a existência desses arquétipos é o estudo dos mitos, cuja constituição fundamental é padronizada. Bom, então os arquétipos são certos padrões contidos na cognição humana, logo, também está no reino da matéria. Então como pode vir um cara com certo nível de instrução, como um psicólogo, e afirmar que os arquétipos não estão inseridos no espaço-tempo? Isso seria dizer que os humanos não fazem parte da realidade. A não ser que a definição de espaço-tempo de Giglio seja diferente da que os físicos falam, mas Amit Goswami parece ter entendido de primeira o que foi dito. Talvez seja coisas que só místicos entendam, sei lá.

Cláudio Abramo coloca, mestre em filosofia da Ciência, coloca o indiano em maus lençóis ao perguntar como ele pode considerar o trabalho que faz como Física, já que não existe nenhuma formalização matemática em seu trabalho. E também pergunta onde estão as provas empíricas para a afirmação de que existe uma tal consciência cósmica chamada Deus. Amit se esquiva da questão de uma maneira tão evidente que chega a ficar óbvia a sua covardia. Ele diz que não é preciso usar um modelo matemático para a Física só porque os físicos o usam; não está escrito em lugar nenhum que a Física tem que usar a matemática, logo, ele tem a liberdade de trabalhar como quiser. Essa é a mensagem da longa resposta dele. Bom, acho que para quem entende um pouco sobre o assunto é óbvio que isso é um equívoco grave. Desde sempre a matemática é usada na Física e até hoje deu certo, quer dizer, conseguimos prever eclipses, conseguimos ir ao espaço, construir tecnologia de ponta, coisas essas que foram alcançadas através da descrição do universo de forma rigorosamente matemática, logo, o universo funciona sim de maneira descritível por leis matemáticas. E ele continua: “A Física em si precisa de algo além da matéria, ou seja, da matemática e de arquétipos para ser uma ciência consistente.”. A pergunta que não quer calar é: Por que? Como quantificaremos algo imaterial, algo que nem sabemos se existe?

“[...]o corpo físico morre, e o que resta? Se a consciência é a base do ser, vem a idéia de que o que resta é a consciência. É a primeira pista. A segunda pista é que tudo é possibilidade, no modo quântico de ver as coisas. Então, não é irrelevante dizer que as possibilidades podem viver. Algumas possibilidades morrem com o corpo material e o cérebro, mas pode haver outras possibilidades, outras possibilidades que se modificam ao longo da nossa vida, e essas modificações das probabilidades das possibilidades podem formar uma confluência que possa viver mais tarde na vida de outra pessoa.”

Nesse momento me vem aquela vontade desesperadora de pensar em voz alta: que que esse cara tá falando? Onde estão os dados, as experiências? É muito fácil sair afirmando coisas à respeito da física quântica. Como eu disse no outro post, a idéia das possibilidades que geral universos paralelos vêm do trabalho do cientista Richard Feynman. Mas em momento nenhum as pesquisas mostraram que o fato de o elétron percorrer todas as trajetórias possíveis simultaneamente, tornam coerente o conceito de reencarnação.

Primeiro que essa história de que a consciência não é produção do cérebro ainda não possui comprovação, segundo que mesmo que um dia venham a comprovar, terá que ser feita outra pesquisa mostrando que a consciência realmente sobrevive sem o corpo, para aí sim mostrar que ela é capaz de, por algum processo da (pseudo) física quântica, voltar em outro corpo. O que os adeptos da nova onda mística fazem é simplesmente aplicar teorias bem fundamentadas da ciência, em contextos incoerentes, aí produz-se o efeito da verdade. Também é comum que eles tomem como algo sabido a priori, como a existência de almas, para depois explicar como ocorre. Ora, primeiro temos que provar que a alma realmente existe, para depois provar detalhes sobre sua influência.

E assim acaba a segunda parte dos comentários sobre esse debate bizarro.