segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A evolução é Baryshnikov!

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Autor: Metrópolis



Sempre que se fala em evolução darwiniana, os opositores levantam a questão da complexidade irredutível. Citam, com esmero, o exemplo do olho humano e nos perguntam: como algo tão complexo pode ter surgido “por acaso”?

Em primeiro lugar, a teoria da evolução não advoga que o olho humano surgiu por acaso. Isso equivale a dizer que ele teria surgido “de uma hora para outra”, tal como se apresenta hoje. Este é, na verdade, o entendimento dos criacionistas, pois apenas Deus seria capaz de criar um olho humano de uma hora para outra, plantado na face de Adão, em pleno Paraíso.
O olho humano é resultante de uma série de transformações graduais e cumulativas que nunca “planejaram” criá-lo, apenas respondiam às pressões seletivas, à necessidade de adaptação e sobrevivência de nossos ancestrais. Para compreender como o olho humano evoluiu, basta um exercício de engenharia reversa, relativamente fácil de ser feito.

Mas eu gostaria de propor uma analogia mais próxima do senso comum, para explicar como a complexidade irredutível é um argumento falacioso.

Primeiro, devemos partir da emoção que a complexidade nos causa e que, na maioria das vezes, é suficiente para que alguém considere essa complexidade como atributo da criação divina.

Pensemos não somente no olho humano, mas no pôr do sol, no voo das aves, nas noites estreladas, nas ondas do mar, na imensidão da Via Láctea. É quase impossível não experimentar uma sensação de deslumbramento, o sentimento de maravilhar-se, de estar frente a algo que é maior e está além de nós. Isso é formidável. A beleza da complexidade nos encanta!

Frente a este êxtase, você pode pensar que tudo foi criado por Deus ou – em vez disso – que se formou ao longo de um lento, gradual e cumulativo processo natural. Se você atribui a criação a Deus, então abraçou a tese da complexidade irredutível. E é um abraço fatal.

Evolução

Você já viu Mikhail Baryshnikov dançar? Se viu, com certeza sentiu o mesmo deslumbramento de um pôr do sol, do voo das aves, das noites estreladas, das ondas do mar e da imensidão da Via Láctea. É impossível não se maravilhar. E, de certo, muitos dirão: é um dom de Deus!
Esta é apenas mais uma forma de se pensar a complexidade irredutível. Deus abençoou Baryshnikov e um belo dia ele saltou do berço, jogou fora a chupeta e começou a rodopiar pelo quarto, para espanto de sua mãe, que levantou as mãos para o céu e gritou:

__ Glória a Deus, glória a Deus!

Dali em diante, ele só fez esperar crescer e se tornar famoso.

Infelizmente, não é bem assim que as coisas acontecem ou aconteceram. A exemplo do olho humano, Mikhail Baryshnikov não se tornou bailarino -- o maior de todos os tempos -- de uma hora para outra. Foi necessário um lento, gradual e cumulativo processo natural de desenvolvimento, que incluiu amadurecimento físico e psicológco; dedicação; técnica e muita, mas muita transpiração.
Ana Botafogo, primeira-bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, conta um pouco sobre a vida de bailarino:

Muito estudo, dedicação, disciplina, perseverança – porque em muitos momentos o trabalho é repetitivo – e ter muita determinação para vencer. Resumindo, muito suor, às vezes lágrimas e muito trabalho. Nem nas férias é possível parar. Eu diminuo a carga horária, mas é impossível parar. Por causa de tanta dificuldade, tem muita gente que entra, às vezes até mesmo para uma companhia oficial, e desiste.

E mais:

A rotina é bastante puxada. Antes, entre aulas e ensaios, nossa carga horária era de 8 horas. Hoje, temos 6 horas de carga horária, sendo 1h30 de aula e durante o dia acontecem diversos ensaios. Nem sempre todos os bailarinos participam de todos os ensaios. Quando acontece de ter um horário livre, aproveito para tocar projetos pessoais. Tenho que ensaiar projetos completamente diferentes na mesma época, então qualquer tempo disponível se torna uma benção.

Misha

Mikhail Baryshnikov nasceu no ano de 1948, em Riga, antiga União Soviética, atual Letônia. Misha, como era conhecido, tinha tudo para NÃO SER um bailarino.

Começou a dançar relativamente tarde, aos 12 anos de idade. Era mais baixo que a média dos bailarinos, 1,68 m, e não conseguia realizar alguns movimentos com bailarinas, o que o relegou ao segundo plano, nas coreografias. Para piorar, sua mãe suicidou-se logo após sua entrada no balé!

Mas o rapaz tinha força de vontade!

Estudou na escola de Mariinski e estreou em 1967, dançando “O Camponês”. Foi um sucesso! Apesar de todas as dificuldades, sua carreira decolou e ele tornou-se o mais conhecido bailarino russo. No ano de 1974, em plena Guerra Fria, pediu asilo político ao Canadá, durante uma turnê com o Balé Kirov. Mudou-se para os EUA, onde foi o principal bailarino do American Ballet Theatre.

Balé Darwinista

A analogia com Baryshnikov é apenas um exercício para o olhar. É uma forma de enxergar, por trás de toda a complexidade aparente, o entrelaçamento de partes relativamente simples que, por sua vez, podem ser decompostas em outros entrelaçamentos ainda mais simpes, e assim por diante. Ao final, sempre encontraremos a simplicidade singular, de formas e de funções.
Misha não nasceu pronto, ele se tornou Misha. E toda a complexidade de sua dança, todo seu talento, todo o seu “dom”, podem ser “reduzidos” a partes relativamente simples: força de vontade, dedicação, técnica, coragem e amor pela dança. Maravilhar-se com ele é, portanto, maravilhar-se com a complexidade que nasce da simplicidade; é aplaudir graciosos saltos que nasceram de primeiros e desengonçados passos.

A evolução é Baryshnikov!

Maravilhem-se







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