sábado, 20 de agosto de 2011

A Lógica Empresarial na Educação e um dos Motivos Pelos Quais Sou Contra a Privatização

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Professores da rede pública competindo por melhor desempenho (com prêmios em dinheiro para os melhores), universidades públicas rebaixadas para meras prestadoras de serviços dos grandes corporações e empresas, pesquisas fast food...isso é o que estamos vendo atualmente no Brasil. 

Aparentemente, não existe grande mal nisso, mas, olhando a questão por fora do lema que rege a sociedade hoje (produção e lucro), parece que estamos caminhando para um futuro nada bom. A introdução da lógica empresarial nas escolas e universidades públicas parece ser só mais um dos fatores que fortalecem minha visão contrária à privatização. 



 O futuro das pesquisas
A liberação de verba para pesquisas nas áreas das Ciências Humanas não pára de cair. Estatísticas do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) mostram que o investimento nesse tipo de pesquisa aumentou de R$9,1 milhões para R$36,4 milhões. O crescimento das Ciências da Saúde, por exemplo, entre 2001 e 2010, foi de R$9,1 milhões para R$117,5 milhões. A diferença fala por si mesma. Esse dado não é surpreendente, já que é perceptível à olho nu o descaso que a maior parte das unidades de estudos das Ciências Humanas são sucateadas, se compararmos com as das Ciências da Saúde e Tecnológicas. O que há de revoltante nisso é que uma grande parcela da culpa por essa situação recai sobre as empresas privadas. 

A Universidade brasileira passou a ocupar o papel de uma simples prestadora de serviços das empresas! Como diz o Professor da Faculdade de Educação da UFRJ, Roberto Lehen: Agora, fala-se não apenas em Ciência e Tecnologia, mas em Ciência, Tecnologia e Inovação. Não se trata apenas de um problema semântico ou de nomenclatura, mas da função social da universidade”. Segundo ele, esse é um processo que tem seu ápice em 2004, com a Lei da Inovação Tecnológica, cujo objetivo foi facilitar as parcerias entre as empresas e a universidade pública brasileira. E o que causaria esse posicionamento de servidão da universidade brasileira é o fato de que pesquisa e desenvolvimento, ou inovação, é uma atividade de responsabilidade tipicamente das empresas. Mas não dentro de universidades, e sim dentro das próprias empresas! Estudos da Universidade da Pensilvânia, por exemplo, mostram que 9 em cada 10 inovações são desenvolvidas fora da universidade. No Brasil a coisa é diferente, pra variar. Como nossas empresas não tem posição relevante nessa área, delegamos esse papel às que vem de fora, que se instalam nas nossas universidades para tirar vantagens. Como no exemplo que Lehen dá, se uma empresa farmacêutica deseja fazer uma pesquisa sobre a biodiveridade na Amazônia, ela não vai montar um laboratório próprio lá, mas vai financiar pesquisas sobre o assunto que melhor serve aos seus propósitos para fazer com que os próprios pesquisadores de nossas universidades, envolvidos no projeto, montem laboratório lá. Isso é bom porque laboratório de fora que se instalam em nossas terras geram tensões e desconfianças com relação ao registro de propriedades. Além disso, não é preciso pagar uma equipe de pesquisadores terceirizados para realizar a tarefa. 

Economicamente está tudo certo. Os pesquisadores envolvidos podem ganhar dinheiro além de seus salário de funcionário público, verba para seus projetos não faltam também. Mas quem disso que isso é bom para as pesquisas em si? A importação dessa lógica empresarial se amplia de uma maneira inacreditável, como mostra entrelinhas o famoso lema entre os pesquisadores: publique ou pereça. Ou seja, é preciso produzir conhecimento em escala industrial, o que significa que essa produção tem que ser rápida e prática. E o prático é entendido como algo que se encaixa melhor nos propósitos do mercado. 

Essa parceria, que deveria resultar em algo extrememente produtivo e bom para nosso país, está se transformando num mecanismo de castração da criatividade e da produção de conhecimento. Imagina você, que um pesquisador tenta um concurso para, por exemplo, a UFRJ, com uma tese de doutorado que tenha a ver com o motivo pelo qual o cérebro humano produz o fenômeno religioso, ou qual a relação entre a epilepsia do lobo temporal e o sentimento de extrema religiosidade. Do outro lado, competindo com esse anterior, há um doutor apresentando sua tese sobre uma nova droga que promete curar permanentemente a eplepsia do lobo temporal. Qual vai ganhar? A segunda vai ganhar porque tem uma melhor proposta em termos de lucro, em termos de encaixe no mercado. Agora dá pra entender um dos motivos pelos quais as ciências humanas não recebem verba proporcional às outras áreas? 

Trazendo a lógica empresarial também para o ensino
Esse ano foi criado o Programa de Bonificação por Resultados, que visa a gratificação dos servidores que trabalham nas escolas e diretorias regionais, com o objetivo de bonificar aqueles que, em equipe, alcançarem ou superarem as metas determinadas pela Secretaria de Estado de Educação (Seeduc). Qual o problema de fazer isso? Nada mais do que justo, não? Afinal, os professores estão recebendo um prêmio por seus trabalhos bem sucedidos. Sim e não. Não devemos nos apressar e considerar isso como uma boa medida. A crítica central que faço é que não deveria ser dado bônus algum, o que deveria ser dado é um bom de um aumento de salário. Em segundo lugar, essa medida cria um clima empresarial na medida em que se tem uma competição para se cumprir metas de produção. É como se o conhecimento que o aluno deve adquirir na escola fosse um produto que pudesse simplesmente ser comprado ou produzido como se fosse realmente uma mercadoria. 

Outro erro é a suposição que está por trás da iniciativa: a de que os professores são os culpados pela decadência da educação no Brasil. Vários fatores interferem na dinâmica que resulta nas baixas notas dos alunos brasileiros no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). E nem todos eles tem a ver com o professor: violência em escolas localizadas em locais de alto risco social, baixos salários, falta de qualidade nas instalalações das instituições de ensino e etc. E, por vezes, até mesmo o aluno pode ser o culpado! Quantas pessoas possuem aversão à obtenção de conhecimento? Algumas adquiriram isso devido a “traumas” obtidos na própria escola, outros simplesmente não gostam mesmo da coisa! Preferem permanecer na superficialidade dos assuntos sobre o mundo em que vivemos. Outros, já possuem um problema é com o método usado para ensinar (e isso talvez seja mais comum do que imaginamos...Einstein que o diga). 

Ah, outro péssimo ponto que nasce involuntariamente dessa política de bonificação é a inversão da qualidade do ato, isto é, ao invés de ser considerado uma bonificação para aqueles que merecem, a medida passa a ser vista também como uma punição para aqueles que não cumprirem as devidas metas. 


Isso é o que a privatização pode nos trazer

Metas a ser seguidas, prêmios para os melhores, produção em escala industrial e com aplicabilidade no mercado...esses são lemas do mundo das corporações, das empresas, dos grandes capitalistas que às vezes só parecem pensar em uma coisa: lucro. O conhecimento, nesse mundo, passa a ser mais uma ferramenta para a obtenção de outra ferramenta que passa a ser vista como coisa em si: dinheiro. Um mundo privatizado me lembra uma imensa bolha onde só o que impera são esses mantras: produção, dinheiro, objetivos práticos, rapidez, lucro, lucro, lucro. E as perdas para a ciência seriam trágicas. Lembro, por exemplo, de um amigo meu que é ultracapitalista dizendo que ele não vê serventia alguma em ciências como astronomia, arqueologia, história, filosofia...ou seja, qualquer área que não possa trazer lucros imediatos através de conhecimento que possa ser vendido como mercadoria. Certamente é assim que um mundo dominado pelo mundo empresarial agiria. Isso me faz pensar que talvez estejamos no começo desse mundo, olhando para o crescente descaso com as Ciências Humanas, aquela que, além de não trazer conhecimento fast food e comercializável, ainda critica aqueles que se esqueceram de que existe algo mais do que dinheiro na vida.