sábado, 6 de agosto de 2011

O Ensino da Religião Como um Reforçador do Estado Laico?

+A +/- -A



Vivemos tempos em que a religião, embora não vivamos em um Estado teocrático, vem se espalhando de maneira silenciosa (nem sempre) pela política, pelos assuntos pessoais do dia-a-dia; enfim, o que falta para chegarmos a uma teocracia de fato? Vemos símbolos religiosos em órgãos públicos, ensino religioso em escolas públicas, políticos competindo por determinado cargo tendo como base para derrubar seu rival sua não-crença em Deus...Bom, isso não me parece algoque deveria haver num Estado que, constitucionalmente, se diz laico. Mas, talvez, todos esses disparates sejam só o começo. Paralelamente, me intriga o fato de a nossa Constituição fundamentar a laicidade do Estado e, ao mesmo tempo, conceber o direito de escolas públicas suportarem o ensino religioso. Será isso um disparate que depõe contra os ideais seculares? 


O termo laico vem do latim laicus, que significa leigo, no sentido de secular, isto é, não religioso (SILVA, 1997, p. 45). Trocando em miúdos, um Estado laico deve ser aquele que se declara leigo perante a religião, dando liberdade para seus habitantes exercerem à vontade seus credos, mas não se posicionando de forma alguma em relação a nenhum deles. Fácil, não? Mas parece que o velho jeitinho brasileiro de burlar regras arrumou um jeito de driblar isso. Quem nunca viu um tribunal com um crucifixo pendurado? Eu já, e eu trabalho em um órgão federal. 

Vimos nas últimas eleições presidenciais, disputas acaloradas entre Serra e Dilma, em que os dois começaram a competir para ver quem conseguia frequentar mais missas e mais cultos evangélicos para conquistar seu eleitorado. É como se quisessem dizer: “olha só, estouindo à Igreja, vê? Isso signfica que sou uma boa pessoa!”. (Veja mais

O Ensino religioso talvez seja o motivo de queixa mais antigo dos adeptos do secularismo, como eu. A diferença é que, paradoxalmente, o ensino religioso é previsto na Constituição! (art. 210, parágrafo 2º) Esse ensino se dá de maneira facultativa no Ensino Fundamental, nas escolas públicas. Mas o Estado não é laico? 

Esse aparente paradoxo pode ser virado a nosso favor, dos secularistas, se usarmos essa opção para ensinarmos a religião de uma forma diferente da que se ensina agora. Não tenho muitos dados sobre isso, mas na maioria das vezes a religião é passada para os alunos na forma de desenhos bíblicos, a aprendizagem de musiquinhas, orações e por aí vai (Leia Minha Filha e o Ensino Religioso). Esse conhecimento vem de alguns textos que já li e da minha própria experiência, já que cursei o Ensino Fundamental em um colégio (muito bom) que tinha diretores católicos, logo, o ensino religioso era um bônus do qual não  se podia escapar. E eram exatamente essas musiquinhas e outras coisas que éramos obrigados a aprender. 

No lugar desse tipo de abordagem, um Estado leigo em relação à religião, poderia usá-la nas escolas para ensinar às crianças sobre a liberdade religiosa de seu país, sobre o motivo pelo qual a política não pode ser misturada com a religião e o que isso significou, em termos de danos também, para a história mundial. Também deveriam ser mostrados aspectos básicos da história das principais religiões (orientais e ocidentais). E, claro, conceitos como ateísmo, teísmo, deísmo e agnosticismo deveriam ser explorados. Isso daria condições para que os estudantes tivessem condições de exercerem sua liberdade e escolherem um caminho. Não adianta darmos liberdade religiosa ao brasileiro se ele só conhece a religião cristã. E, ainda, devo acrescentar que ele conhece muito mal o cristianismo; segundo pesquisas, os ateus conseguem ser mais informados sobre areligião cristã do que os próprios cristãos
 
E não adianta dizer que isso seria muito para a cabeça dos crianças. No Ensino Fundamental já é ensinado História Geral e do Brasil, não seria um salto muito alto se fosse ensinada também uma disciplina nos moldes de uma História das Religiões. E o lucro de uma medida dessas talvez seja altíssimo! Quanto mais ampliarmos os horizontes de nossas crianças, mais vamos mostrar a elas que o mundo é algo muito maior e mais complexo do que suas renças pessoais e, muitas vezes, egoístas. Temos que formar cidadãos que tenham capacidade de escolher, de fazer valer a liberdade dada pela Constituição. É muito fácil dar essa capacidade e disponibilizar somente uma opção. 

Referências:
SILVA. De Plácido. Vocabulário Jurídico. 12ª ed. v. III, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1997.

Bibliografia Consultada: