sábado, 10 de setembro de 2011

Freud, Agora Escuta!

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A psicologia é um tema obscuro, apesar da quantidade de psicólogos que existem por aí e do quão difundidas suas opiniões e jargãos estão espalhados. A verdade é que psicologia é o nome que se dá a um jarro que armazena dezenas de áreas: psicologia cognitiva, psicologia comportamental, psicologia organizacional, psicologia do desenvolvimento, psicologia da emoção, psicologia evolucionista, psicologia clínica e etc. Só esta última, a clínica, possui dezenas, talvez centenas, de abordagens possíveis. E, deve-se informar, nem todas as áreas são científicas. Algumas são tão testáveis e coerentes quanto numerologia ou leitura de borra de café. E no meio desse enrolo existe a famosa psicanálise, que até hoje ainda não se decidiu se pode ser chamada de psicologia ou não. Sendo psicoterapia ou não (sobre essa nomenclatura específica também há discordâncias) a psicanálise foi uma das primeiras áreas a sugerir algo mais ou menos parecido com o que hoje se tornou a psicologia clínica. A ela devemos dar os créditos. Mas, a criação de Freud se tornou algo próximo do mesmerismo, uma pseudociência, que ainda hoje se recusa a reciclar seus conceitos e a se basear em outra coisa que não seja o cânone freudiano. Não farei nenhuma análise inovadora mas tentarei evidenciar aqui certas posturas dos discípulos atuais do mestre Freud que me incomodam seriamente.


Primeiro, faria bem começar por uma brevíssima introdução sobre como surgiu a psicanálise. Os estudos que deram origem a ela começaram no final do século XIX, quando o jovem neurologista Sigmund Freud ouvia o médico e seu amigo Joseph Breuer contar sobre uma paciente chamada pelo pseudônimo de Anna O. A paciente sofria de histeria, uma espécie de quadro com diversos sintomas estranhos de origem psíquica e não orgânica. Breuer chegou a conclusão de que, o que a paciente confirmara, segundo os biógrafos de Freud, quando a paciente falava livremente , sobre o que vinha à cabeça, se sentia mais aliviada e seus sintomas até regrediam. Anna O. Apelidou esse processo de “limpar a chaminé”. Freud ficou interessadíssimo pela técnica que, ao que tudo indicava, Breuer havia descoberto e mais tarde empreendeu a aplicação em suas próprias pacientes histéricas. Com o tempo, Freud chegou à conclusão de que a “cura pela fala” era possível porque na medida em que a paciente falava livremente, seu inconsciente se revelava, transparecendo, em linguagem cifrada que deveria ser interpretada por Freud, eventos recalcados em sua memória, reprimidos de alguma forma. E quando Freud interpretava a linguagem da paciente e revelava o conteúdo inconsciente escondido ali, os sintomas se extinguiam. Isso porque eram essas idéias reprimidas que estavam originado os sintomas histéricos. Empregando essa técnica com poucos outros pacientes, Freud chegou à conclusão de que existia um trauma original contido dentro de todas as pessoas: um trauma de natureza sexual, o Complexo de Édipo, o desejo, no homem, de matar  o pai e ficar com a mãe e vice-versa, na menina. Freud expandiu esses conceitos para todos os sintomas patolóios que ele encontrava, fazendo com que tudo fosse sintoma de algo mais profundo, inconsciente, de caráter sexual.
A construção da teoria psicanalítica tem mais alguns detalhes que tive de omitir porque senão teria que escrever um post inteiro só para ela, mas creio que o principal par se entender um pouco de psicanálise esteja aí. 

Eu estou na graduação de psicologia, mas, às vezes acho que o nome do meu curso tinha que ser Psicanálise. O Instituto de Psicologia tem em sua maioria professores que seguem a linha psicanalítica. No início da graduação eu achava o assunto interessante, como ainda hoje o acho, mas a diferença é que hoje, nem morto eu penso em seguir alguma área relacionada à psicanálise. Me recuso a ter de virar um adorador do cânone freudiano. Bom, para que minhas críticas não fiquem muito flutuantes, citarei algumas situações embaraçosas. 

Para começar: os psicanalistas possuem um imenso repúdio a tudo aquilo que faz referência a uma base biológica. Dessa forma, citações sobre neurociência, biologia, genética e psiquiatria nas aulas...nem pensar! Não pode! Caso aconteça, o aluno será chamado de reducionista, determinista e positivista. O correto mesmo é que todos tenham a crença de que a mente humana existe no éter ou em outra substância fantasmagórica e não num cérebro, num órgão. Ah, e para fechar com chave de ouro, é preciso ter fé no fato de que o ser humano é uma tábula rasa, ou seja, que nasce uma folha de papel em branco que vai sendo preenchida pelo ambiente, especialmente pelo convívio com os pais, com destaque no Complexo de Édipo. 

Sobre o repúdio à psiquiatria, existe uma coisa que eu não entendo. A maioria dos psicanalistas hoje existentes se localizam no Brasil, Argentina e França. Segundo dados da França, 70% dos psiquiatras lá seguem a linha freudiana*. Mesmo assim a crítica à psiquiatria, mesmo nesse países que se rendem à psicanálise, é muito intensa.

Outro lado dessa história que eu tenho dificuldade de entender é que nomes como determinismo, reducionismo e cientificismo viraram xingamentos. Mas, quando vamos analisar a história da psicanálise e os escritos do velho Freud, vemos que ele não queria outra coisa senão a criação de uma ciência. E ciência inclui determinismo, que é a idéia de que um fenômeno pode ser explicado por um ou diversos eventos anteriores. E reducionismo...bom, toda ciência é reducionista pelo simples fato de que para estudar um fenômeno, temos que nos focar somente nele. Então, nesse sentido, se a psicanálise planeja estudar o inconsiente, ela é reducionista; se a neurociência se detém no estudo do cérebro, ela também é reducionista. Mas isso é um critério para se fazer ciência, e não um crime. E, lembro mais uma vez, foi isso que o velho Freud queria ao criar a psicanálise. 

Os psicanalistas hoje não gostam de serem lembrados da face cientificista de seu mestre. Ele propunha a observação imparcial dos dados obtidos na clínica, isto é, por observação entenda-se também a interpretação das associações livres que os pacientes faziam. Mas, bom, eu diria que isso não se encaixa a todo herdeiro da tradição psicanalista. Alguns ainda hoje insistem que a psicanálise é uma ciência, outros, como Lacan, insistem que não. Este último até chegou a afirmar que a ciência era uma forma de histeria! (1973) Talvez isso se deva ao fato mais do que batido de que a psicanálise não satisfaz nem de longe os critérios básicos para se constituir como ciência. Um dos métodos mais básicos é o da falseabilidade de suas teorias. Veja esse exemplo: se é observado um menino que é apegado, que ama sua mãe e teme o pai, será dito que o Complexo de Édipo está aí presente, comprovando a teoria. Mas, se é observado outro garoto que adora seu pai mas que teme a mãe – o que deporia contra a idéia do Édipo – aí teremos um garoto que está negando seu Édipo, possivelmente por causa do medo da castração, ou então que o Édipo está ali, ms é um Édipo negativo. Ora, não existe melhor frase que defina essa lógica de cartomante do que a frase do psicólogo dos anos 20 Adolf Wohlgemuth: coroa, eu ganho; cara, você perde

E não para por aí. Freud transparece em suas obras um sentimento de perseguição, como se ele sempre estivesse abaixo do rendimento que esperavam (FARRELL, ano desconhecido). Talvez esse seja um dos motivos pelos quais ele cria uma teoria tão à prova de críticas, com um sistema imunológico poderosíssimo. Em suas conferências e artigos, Freud diz que a sexualidade era “o” fator essencial “em todos os casos, sem exceção”. Vários outros médicos, sexólogos e psicólogos da época foram contra essa alegação radical, mas Freud não estava disposto a mudar de idéia.** E o mais impressionante: deduz dos ataques à sua teoria que, por essa razão, ele está certo. Olhe o que ele diz em uma carta a Fliess: “ A hostilidade que me demonstram e o meu isolamento poderiam fazer supor que descobri as maiores verdades.”(Freud, 1896)
É nítido que a psicanálise não pode ser ciência com esse sistema imunológico digno do Wolverine (personagem de HQs). Talvez por isso nos cursos de psicologia com predominância psicanalítica seja tão reforçado a idéia de que o método científico é só mais um dos modos de se produzir conhecimento. Sim, isso não deixa de estar certo, mas é omitido que o método científico nos trouxe ao atual progresso tecnológico. E não digo isso porque sou tecnicista, mas sim porque a tecnologia é o modo mais evidente de se comprovar a eficiência do método científico junto aos outros. 

E àqueles que continuam louvando Freud como um mártir injustiçado, e que acham que o fato de ele ter sido criticado siginifica que ele está certo, dedico essa icônica frase do astrônomo Carl Sagan:

“Todos riram de Galileu, Copérnico, Darwin...mas todos também riram do Bozo.”

Referências

*Dados divulgados pelo Ministério da Saúde da França

**Mécanisme des representaions de contrainte et des phobies (1895), (Euvres complètes, Paris, PUF, III, p. 89.

Meyer, C. (2011). O Livro Negro da Psicanálise: Viver e pensar melhor sem Freud, Civilização Brasileira.

“Concluo que o discurso científico e o discurso histérico tem quase a mesma estrutura”, Télévision, Paris, Seuil, 1973, p. 36.

FARRELL, John, Freud’s Paranoid Quest: Psychoanalysis and Modern Suspicion, Nova York, Ne York University Press.

Carta de 16 de março de 1896, S. Freud, Naissance de la psychanalyse, Paris, PUF, 1969, p. 143.