A psicologia
é um tema obscuro, apesar da quantidade de psicólogos que existem por aí e do
quão difundidas suas opiniões e jargãos estão espalhados. A verdade é que
psicologia é o nome que se dá a um jarro que armazena dezenas de áreas:
psicologia cognitiva, psicologia comportamental, psicologia organizacional,
psicologia do desenvolvimento, psicologia da emoção, psicologia evolucionista,
psicologia clínica e etc. Só esta última, a clínica, possui dezenas, talvez
centenas, de abordagens possíveis. E, deve-se informar, nem todas as áreas são
científicas. Algumas são tão testáveis e coerentes quanto numerologia ou
leitura de borra de café. E no meio desse enrolo existe a famosa psicanálise, que até hoje ainda não se
decidiu se pode ser chamada de psicologia ou não. Sendo psicoterapia ou não
(sobre essa nomenclatura específica também há discordâncias) a psicanálise foi
uma das primeiras áreas a sugerir algo mais ou menos parecido com o que hoje se
tornou a psicologia clínica. A ela devemos dar os créditos. Mas, a criação de
Freud se tornou algo próximo do mesmerismo, uma pseudociência, que ainda hoje
se recusa a reciclar seus conceitos e a se basear em outra coisa que não seja o
cânone freudiano. Não farei nenhuma análise inovadora mas tentarei evidenciar
aqui certas posturas dos discípulos atuais do mestre Freud que me incomodam
seriamente.
Primeiro,
faria bem começar por uma brevíssima introdução sobre como surgiu a
psicanálise. Os estudos que deram origem a ela começaram no final do século
XIX, quando o jovem neurologista Sigmund Freud ouvia o médico e seu amigo
Joseph Breuer contar sobre uma paciente chamada pelo pseudônimo de Anna O. A
paciente sofria de histeria, uma espécie de quadro com diversos sintomas
estranhos de origem psíquica e não orgânica. Breuer chegou a conclusão de que,
o que a paciente confirmara, segundo os biógrafos de Freud, quando a paciente
falava livremente , sobre o que vinha à cabeça, se sentia mais aliviada e seus
sintomas até regrediam. Anna O. Apelidou esse processo de “limpar a chaminé”.
Freud ficou interessadíssimo pela técnica que, ao que tudo indicava, Breuer
havia descoberto e mais tarde empreendeu a aplicação em suas próprias pacientes
histéricas. Com o tempo, Freud chegou à conclusão de que a “cura pela fala” era
possível porque na medida em que a paciente falava livremente, seu inconsciente
se revelava, transparecendo, em linguagem cifrada que deveria ser interpretada
por Freud, eventos recalcados em sua memória, reprimidos de alguma forma. E
quando Freud interpretava a linguagem da paciente e revelava o conteúdo
inconsciente escondido ali, os sintomas se extinguiam. Isso porque eram essas
idéias reprimidas que estavam originado os sintomas histéricos. Empregando essa
técnica com poucos outros pacientes, Freud chegou à conclusão de que existia um
trauma original contido dentro de todas as pessoas: um trauma de natureza
sexual, o Complexo de Édipo, o
desejo, no homem, de matar o pai e ficar
com a mãe e vice-versa, na menina. Freud expandiu esses conceitos para todos os
sintomas patolóios que ele encontrava, fazendo com que tudo fosse sintoma de
algo mais profundo, inconsciente, de caráter sexual.
A construção
da teoria psicanalítica tem mais alguns detalhes que tive de omitir porque
senão teria que escrever um post inteiro só para ela, mas creio que o principal
par se entender um pouco de psicanálise esteja aí.
Eu estou na
graduação de psicologia, mas, às vezes acho que o nome do meu curso tinha que
ser Psicanálise. O Instituto de
Psicologia tem em sua maioria professores que seguem a linha psicanalítica. No
início da graduação eu achava o assunto interessante, como ainda hoje o acho,
mas a diferença é que hoje, nem morto eu penso em seguir alguma área
relacionada à psicanálise. Me recuso a ter de virar um adorador do cânone freudiano.
Bom, para que minhas críticas não fiquem muito flutuantes, citarei algumas
situações embaraçosas.
Para
começar: os psicanalistas possuem um imenso repúdio a tudo aquilo que faz
referência a uma base biológica. Dessa forma, citações sobre neurociência,
biologia, genética e psiquiatria nas aulas...nem pensar! Não pode! Caso
aconteça, o aluno será chamado de reducionista, determinista e positivista. O
correto mesmo é que todos tenham a crença de que a mente humana existe no éter
ou em outra substância fantasmagórica e não num cérebro, num órgão. Ah, e para
fechar com chave de ouro, é preciso ter fé no fato de que o ser humano é uma
tábula rasa, ou seja, que nasce uma folha de papel em branco que vai sendo
preenchida pelo ambiente, especialmente pelo convívio com os pais, com destaque
no Complexo de Édipo.
Sobre o
repúdio à psiquiatria, existe uma coisa que eu não entendo. A maioria dos
psicanalistas hoje existentes se localizam no Brasil, Argentina e França.
Segundo dados da França, 70% dos psiquiatras lá seguem a linha freudiana*. Mesmo assim a crítica à psiquiatria, mesmo
nesse países que se rendem à psicanálise, é muito intensa.
Outro lado
dessa história que eu tenho dificuldade de entender é que nomes como
determinismo, reducionismo e cientificismo viraram xingamentos. Mas, quando
vamos analisar a história da psicanálise e os escritos do velho Freud, vemos
que ele não queria outra coisa senão a criação de uma ciência. E ciência inclui
determinismo, que é a idéia de que um fenômeno pode ser explicado por um ou
diversos eventos anteriores. E reducionismo...bom, toda ciência é reducionista
pelo simples fato de que para estudar um fenômeno, temos que nos focar somente
nele. Então, nesse sentido, se a psicanálise planeja estudar o inconsiente, ela
é reducionista; se a neurociência se detém no estudo do cérebro, ela também é
reducionista. Mas isso é um critério para se fazer ciência, e não um crime. E,
lembro mais uma vez, foi isso que o velho Freud queria ao criar a psicanálise.
Os
psicanalistas hoje não gostam de serem lembrados da face cientificista de seu
mestre. Ele propunha a observação imparcial dos dados obtidos na clínica, isto
é, por observação entenda-se também a interpretação das associações livres que
os pacientes faziam. Mas, bom, eu diria que isso não se encaixa a todo herdeiro
da tradição psicanalista. Alguns ainda hoje insistem que a psicanálise é uma
ciência, outros, como Lacan, insistem que não. Este último até chegou a afirmar
que a ciência era uma forma de histeria! (1973) Talvez isso se deva ao fato
mais do que batido de que a psicanálise não satisfaz nem de longe os critérios
básicos para se constituir como ciência. Um dos métodos mais básicos é o da falseabilidade de suas teorias. Veja
esse exemplo: se é observado um menino que é apegado, que ama sua mãe e teme o
pai, será dito que o Complexo de Édipo está aí presente, comprovando a teoria.
Mas, se é observado outro garoto que adora seu pai mas que teme a mãe – o que
deporia contra a idéia do Édipo – aí teremos um garoto que está negando seu
Édipo, possivelmente por causa do medo da castração,
ou então que o Édipo está ali, ms é um Édipo
negativo. Ora, não existe melhor frase que defina essa lógica de cartomante
do que a frase do psicólogo dos anos 20 Adolf Wohlgemuth: coroa, eu ganho; cara, você perde.
E não para
por aí. Freud transparece em suas obras um sentimento de perseguição, como se
ele sempre estivesse abaixo do rendimento que esperavam (FARRELL, ano desconhecido). Talvez esse seja um
dos motivos pelos quais ele cria uma teoria tão à prova de críticas, com um
sistema imunológico poderosíssimo. Em suas conferências e artigos, Freud diz
que a sexualidade era “o” fator essencial “em todos os casos, sem exceção”.
Vários outros médicos, sexólogos e psicólogos da época foram contra essa alegação
radical, mas Freud não estava disposto a mudar de idéia.** E o mais impressionante: deduz dos ataques à sua teoria que,
por essa razão, ele está certo. Olhe o que ele diz em uma carta a Fliess: “ A
hostilidade que me demonstram e o meu isolamento poderiam fazer supor que
descobri as maiores verdades.”(Freud, 1896)
É nítido que
a psicanálise não pode ser ciência com esse sistema imunológico digno do
Wolverine (personagem de HQs). Talvez por isso nos cursos de psicologia com
predominância psicanalítica seja tão reforçado a idéia de que o método
científico é só mais um dos modos de se produzir conhecimento. Sim, isso não
deixa de estar certo, mas é omitido que o método científico nos trouxe ao atual
progresso tecnológico. E não digo isso porque sou tecnicista, mas sim porque a
tecnologia é o modo mais evidente de se comprovar a eficiência do método
científico junto aos outros.
E àqueles
que continuam louvando Freud como um mártir injustiçado, e que acham que o fato
de ele ter sido criticado siginifica que ele está certo, dedico essa icônica
frase do astrônomo Carl Sagan:
“Todos riram de Galileu, Copérnico,
Darwin...mas todos também riram do Bozo.”
Referências
*Dados
divulgados pelo Ministério da Saúde da França
**Mécanisme des representaions de
contrainte et des phobies (1895), (Euvres complètes, Paris, PUF, III, p. 89.
Meyer, C. (2011). O Livro Negro da Psicanálise: Viver e pensar melhor sem Freud, Civilização Brasileira.
Meyer, C. (2011). O Livro Negro da Psicanálise: Viver e pensar melhor sem Freud, Civilização Brasileira.
“Concluo que
o discurso científico e o discurso histérico tem quase a mesma estrutura”, Télévision, Paris, Seuil, 1973, p. 36.
FARRELL, John, Freud’s
Paranoid Quest: Psychoanalysis and Modern Suspicion, Nova York, Ne York
University Press.
Carta de 16
de março de 1896, S. Freud, Naissance de
la psychanalyse, Paris, PUF, 1969, p. 143.