sábado, 28 de janeiro de 2012

O Poder da Gentileza

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 Autor: André Rabelo

Nas grandes cidades, vivemos nossas vidas em meio a uma multidão de desconhecidos. Cruzamos todos os dias com estranhos que não conhecíamos e que, provavelmente, não vamos conhecer também. Nessa atmosfera, não é de se surpreender que a apatia pelo sofrimento alheio e a distribuição de grosserias tenham se tornado tão comuns e aceitáveis. Podemos até nos surpreender se um completo estranho   emergir a partir da multidão nos oferecendo um ato de gentileza, sem pedir nada em troca.



Você não se surpreenderia se, ao chegar no caixa de um restaurante para pagar a sua conta, fosse informado de que uma pessoa gentilmente pagou a sua conta e não quis se identificar? Uma situação como esta pode parecer muito improvável, mas foi exatamente o que aconteceu em um restaurante na Filadélfia, em 2009, nos Estados Unidos [1]. O ato de gentileza inspirou, nas 5 horas seguintes, várias pessoas naquele restaurante a pagar a conta de outras mesas sem se importar com o valor da conta e de maneira anônima. Os trabalhadores do restaurante ficaram emocionados, pois nunca tinham visto algo tão solidário como aquilo acontecer. Como diz na reportagem da NBC10 Philadelphia: ”É uma história de feriado verdadeira que prova como um pequeno gesto de gentileza pode criar um pouco de magia.”

A gentileza é um tipo de ação espontânea e, muitas vezes, sutil, onde uma pessoa beneficia outra, seguindo normas implícitas de conduta. É um tipo de comportamento de baixo custo para quem o realiza, mas que pode beneficiar muito quem recebe. O vídeo acima demonstra vários exemplos de como a gentileza pode se manifestar no cotidiano.

Este vídeo é uma bela ilustração do que a gentileza é capaz de produzir no cotidiano das pessoas. Ela é contagiante. O vídeo (que encontrei no Treta) é uma produção do projeto Life Vest Inside (“Salva-Vidas Interno”), que busca promover a gentileza como uma maneira simples, mas poderosa e ativa, de melhorar o mundo. Uma parte da descrição do projeto merece ser traduzida aqui:

O trabalho de caridade e o serviço comunitário são ferramentas inestimáveis para melhorar o nosso mundo, mas a gentileza é mais do que boas ações ou voluntariado apenas. Gentileza é empatia, compaixão e conexão humana; é um sorriso, um toque ou uma palavra confortante. Mesmo o menor gesto pode clarear um dia escuro ou aliviar um fardo pesado.
O tema tem se tornado cada vez mais presente em campanhas empresariais como exemplifica o Movimento Trânsito + Gentil. Este projeto busca promover a gentileza entre motoristas no contexto do trânsito. Qualquer um que dirija em uma grande metrópole sabe reconhecer o valor de campanhas desta natureza, considerando a grosseria e falta de solidariedade que se pode observar facilmente no trânsito das grandes cidades. Como os idealizadores do projeto colocam de maneira simples: “E se você ouvisse uma música, em vez de buzinar? Ou apontasse o erro, em vez de xingar? Gentileza gera gentileza e se multiplica. Experimente.” Seguem abaixo dois vídeos curtos da campanha, onde um taxista fala sobre a importância que ele vê na gentileza:  


Outras iniciativas também promovem a gentileza como um instrumento de mudança social, como a Random Acts of Kindness Foundation e o Help Others.org. Toda esta atenção dirigida para a gentileza tem um motivo – ela pode ser um meio extremamente simples, mas poderoso, de melhorar a vida das pessoas e o convívio social.


ResearchBlogging.orgO poder da gentileza não está apenas no benefício concreto que a pessoa ajudada recebe, mas a própria pessoa que ajuda também pode se beneficiar. Ser gentil pode tornar as pessoas mais felizes, até mesmo a longo prazo. Isto é o que alguns estudos indicam [2, 3, 4, 5]. Ser gentil com outras pessoas pode aumentar momentaneamente a felicidade de alguém que, por sua vez, aumenta a probabilidade dela agir gentilmente em situações subsequentes [2, 3]. Alguns pesquisadores como a professora Sonja Lyubomirsky, da Universidade de Stanford, propõem que a retroalimentação positiva existente entre a felicidade e a gentileza pode funcionar como um mecanismo para a sustentabilidade da felicidade a longo prazo.


Um artigo publicado na revista Science relatou evidências correlacionais, longitudinais e experimentais de que há um aumento maior na nossa felicidade quando gastamos nosso dinheiro com outras pessoas [3]. O dado mais interessante e contra-intuitivo é que, independente da quantia de dinheiro gasta, maiores gastos com outras pessoas se relacionaram com maior felicidade, mas maiores gastos consigo mesmo, não. Isto pode soar estranho, já que poderíamos esperar, intuitivamente, que quanto mais gastamos conosco, mais felizes deveríamos nos sentir. Entretanto, estes estudos indicam que utilizar dinheiro para beneficiar outras pessoas pode nos tornar mais felizes do que se os usarmos para nós mesmos, independente de quanto seja.

Adicionalmente, outros dados indicam que pessoas mais felizes também são mais propensas a agir gentilmente [5, 6, 7]. Em outro estudo que replicou a relação entre felicidade e gentileza, uma simples intervenção onde era pedido aos participantes que, ao longo de uma semana, ficassem atentos e contassem quantos atos de gentileza realizaram, resultou em um aumento na felicidade subjetiva dos participantes [5]. Todos estes estudos indicam que a gentileza tem o poder de nos tornar mais felizes, tanto momentaneamente quanto a longo prazo, se a praticarmos com as outras pessoas.


O vídeo abaixo da Random Acts of Kindness Foundation mostra uma admirável ação de duas crianças que aprenderam desde cedo com uma professora sobre como é bom ser gentil. Se você gostaria de praticar mais a gentileza, mas não sabe por onde começar, boas dicas podem ser encontradas nessa página do Help Others.org.


E nunca se esqueça do poder da gentileza – ela é contagiante, beneficia quem a recebe e, de brinde, ainda pode tornar mais feliz quem a pratica!

Referências

[1] Johnson, D. (2009). Mystery couple starts “magical” chain reaction. Recuperado em 4 de Janeiro, 2011 de http://www.nbcphiladelphia.com/news/local/Mystery-Couple-Pay-It-Forward-79179347.html

[2] Aknin, L., Dunn, E., & Norton, M. (2011). Happiness runs in a circular motion: Evidence for a positive feedback loop between prosocial spending and happiness. Journal of Happiness Studies DOI: 10.1007/s10902-011-9267-5

[3] Dunn, E., Aknin, L., & Norton, M. (2008). Spending money on others promotes happiness. Science, 319 (5870), 1687-1688 DOI: 10.1126/science.1150952

[4] Buchanan, K. E., & Bardi, A. (2010). Acts of kindness and acts of novelty affect life satisfaction. The Journal of Social Psychology, 150 (3), 235-7 PMID: 20575332

[5] Otake, K., Shimai, S., Tanaka-Matsumi, J., Otsui, K., & Fredrickson, B. (2006). Happy people become happier through kindness: A counting kindnesses intervention. Journal of Happiness Studies, 7 (3), 361-375 DOI: 10.1007/s10902-005-3650-z

[6] Feingold, A. (1983). Happiness, unselfishness, and popularity. The Journal of Psychology, 115 (1), 3-5 DOI: 10.1080/00223980.1983.9923590

[7] Lyubomirsky S, King L, & Diener E (2005). The benefits of frequent positive affect: Does happiness lead to success? Psychological Bulletin, 131 (6), 803-55 PMID: 16351326