sábado, 17 de março de 2012

O Que São Emoções?

+A +/- -A

Geralmente, no senso comum, empregamos a palavra “emoções” para nos referirmos a diversas experiências internas que vivemos ao interagirmos com outras pessoas ou mesmo quando estamos sozinhos. Com frequência, o termo também é usado como sinônimo de sentimento, humor e etc. Mas será que, à rigor, trata-se mesmo de palavras sinônimas? Ou, ainda, o que, afinal, é uma emoção?

O estudo acadêmico dessas questões é antigo, no entanto, aqui, iremos nos deter aos estudos do século XX em diante, época esta que, através de estudos científicos, acaba resgatando grande parte daquilo que Darwin especulou um século antes.

Paul Ekman
 Um dos expoentes na área do estudo das expressões faciais é o psicólogo Paul Ekman. Sempre interessado no aspecto não verbal da comunicação humana, em suas pesquisas, ele, inicialmente, partiu do pressuposto de que a parte não verbal da comunicação era aprendida culturalmente, portanto, deveria variar completamente entre as culturas. Partindo dessa questão, Ekman iniciou os estudos que conduziram-no à conclusão de que existia sim uma parcela da linguagem não-verbal totalmente aprendida (emblemas, por exemplo), porém, outros aspectos, como as expressões faciais das emoções básicas, pareciam ser constantes independentes da cultura, ou apenas modulados em termos de intensidade, pelos fatores culturais (Ekman & Friesen, 1969).

Inicialmente, Ekman (1957) categorizava as emoções de forma a diferenciá-las em prazerosas e desprazerosas, ativas e passivas. Mas, com o tempo, teve de rever sua posição, encaminhando-se para o que mais tarde seria conhecido como emoções básicas.

Há 3 significados para o termo “básico” (Ortony & Turner, 1990). Em geral, essas classificações se baseiam em pressupostos diferentes dos que dividem as emoções prazerosas e desprazerosas e ativas e passivas. Elas seriam entidades distintas, cada uma com um conjunto de características próprias. Medo, tristeza, raiva, alegria, surpresa, nojo e desprezo seriam todos termos para nos referirmos a emoções, mas cada uma delas seria caracterizada por uma ativação fisiológica, gatilhos ambientais, respostas comportamentais e outras características específicas. Dentro desse cenário, pode-se optar por uma visão que enfatiza a ontogenia ou a filogenia.

Em geral, a ontogenia é caracterizada por posicionar as emoções como algo aprendido, seja cultural ou individualmente, e não como algo dado já de alguma forma. Como representante da ênfase no aspecto individual temos Allport (1924).

Outra vertente é a filogenética. A filogênese se refere à tudo que é relativo à história da
espécie, portanto, analisar qualquer coisa relacionada ao comportamento humano sob essa perspectiva é pensar em como a seleção natural moldou a característica em questão, portanto, a biologia tem um papel crucial nesse caso. Aplicando esse conceito à explicação das emoções, podemos dizer que teriam sido estratégias biológicas dos organismos, que foram selecionadas pela evolução. Mas por que foram selecionadas? Porque esses mecanismos permitiram que os indivíduos fossem bem sucedidos em responder aos estímulos ambientais, tais como luta ou fuga de predadores ou de indivíduos da mesma espécie, proteção contra o adultério, resposta ao interesse reprodutivo, formação de coalizões, perdas, frustrações e etc (fundamental life tasks) (Johnson-Laird & Oatley, 1992). Nas palavras de Tooby & Cosmides (1990), a mente humana seria uma coletânea de artifícios criados ao longo da seleção natural, que serviria para lidar com os desafios mais fundamentais e constantes da vida cotidiana da espécie, assim, as emoções não ficariam de fora dessa lógica. Emoções, dizem eles “...lidam com recorrentes, situações adaptativas...luta, relações amorosas, fuga de predadores, confrontamento da infidelidade sexual, e daí em diante, cada uma das quais ocorreram inúmeras vezes na história evolutiva...” [tradução minha] (PP. 407-408).

Percebe-se, nesse contexto, que as emoções lidariam com situações de cunho interpessoal. Mas, como destaca Ekman (1999), essas reações ocorreriam também na ausência de contato com outros indivíduos, como ao se deparar com fenômenos da natureza (trovões, raios), ao ouvir música, experienciando perda de suporte físico (queda), em contexto de atividade auto-erótica e etc.

Outra acepção do termo “básico”, mas que Ekman não está mais tão certo de sua validade (Ekman, 1999, pp. 47), é que as emoções básicas seriam os elementos dos blends (Ekman & Friesen, 1975), em outras palavras, conjuntos de emoções. Um bom exemplo seria o susto, uma emoção formada por outras duas elementares: medo e surpresa. No entanto, por conta da revisão de Ekman, não enfatizaremos aqui esse conceito. 

Mas e quanto aos sentimentos e humor, outras características do comportamento humano que não raramente confundimos com as emoções? De maneira bem sucinta, os sentimentos seriam estados subjetivos prolongados, ao contrário das emoções, que duram alguns segundos, geralmente, ou menos.  Quanto ao humor, este seria caracterizado pela constância do aparecimento de determinada emoção. Por exemplo, uma pessoa que fica com raiva frequentemente poderia ser chamada de mal-humorada.

Para finalizar, destaco que a filogenia não é algo que exclui a ontogenia. A maioria dos pesquisadores que trabalham mais dentro de uma visão filogenética enfatizam o fato de que a ontogenia atuaria modulando a filogênese, ou seja, as duas seriam indissociáveis, na verdade. Em outras palavras, poderíamos falar que o ser humano é biologicamente cultural (Bussab & Ribeiro 1998, p.01) . E, também, para aqueles que acham que a abordagem cerebral, fisiológica ou evolucionista das emoções anula o seu lado subjetivo, saibam que não trata-se disso. A intenção desses estudos, como espero que tenha ficado claro ao longo do texto - e até de outros artigos que já postei aqui sobre psicologia evolucionista -, é mostrar que as potencialidades humanas, no que tange às emoções, por exemplo, são moldadas pela evolução da espécie. E é a própria evolução dessas características ao longo de milênios é que, também, possibilitou que o homem tivesse o poder de abstração que o possibilitasse ter um lado subjetivo, simbólico e etc.

[Este texto foi breve, porém, o assunto é longuíssimo! Tive a intenção de trazer o que há de mais básico para se entender o que é uma emoção, assim, o entendimento sobre futuros textos que abordem o assunto em mais profundidade será facilitado.]

Referências

 Ekman, P. & Friesen, W. V., (1969), The Repertorie of Nonverbal Behavior: Categories, Origins, Usage, and Coding, Semiótica.

Ekman, P. (1957), A methodological discussion of nonverbal behavior. Journal of Psychology, 43, 141-149.

Ontony, A. & Turner, T. J. (1990). What’s basic about emotion? Psychological Review, 97, 315-331.

Allport, F. H., (1924). Social Psychology. Boston: Houghton Mifflin.

Ekman, P., (1999). Basic Emotions. Handbook of Cognition and Emotion. Edited by Tim Dalgleish and Mick J. Power Copyright  1999 John Wiley & Sons, Ltd. ISBN: 0-471-97836-1

Johnson-Laird, P. N. & Oatley, K. (1992). Basic Emotions: a cognitive science approach to function to function, folk theory and empirical study. Cognition and Emotion, 6, 201-223.

Tooby, J. & Cosmidesm, L. (1990). The past explain the present: emotional adaptation and the structure of ancestral environment. Ethology and Sociobiology, 11, 375-424.

Ekman, P. & Friesen, W. V. (1975). Unmasking the Face: A Guide to Recognizing Emotions from Facial Clues. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall. Reprint edn, Palo Alto, CA: Consulting Psychologists Press, 1984. 

Bussab, S.. Ribeiro, F. - Biologicamente Cultural (1998). Disponível em:

http://www.pet.vet.br/puc/vera%20bussab.pdf