sexta-feira, 13 de julho de 2012

O Homem Aranha em: Entenda por que os heróis tem que ser odiados

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X-51 pergunta ao Observador: Eu não entendo por que eles são odiados por serem bons.
Observador: Eles são odiados por terem o que outros não tem: poder, distinção, propósito.
-Terra X - 00

No último post sobre o Homem Aranha, tentei especular filosoficamente sobre o que faria com que alguém com super-poderes não se tornasse um Hitler – ou um Duende Verde - , escolhendo servir ao bem de todos, muitas vezes em troca de apuros na vida pessoal e até ataques pessoais às suas melhores ações. Agora, acho que vale a pena elucubrar sobre, especificamente, o que faz com que as pessoas tripudiem e recriminem o herói, quando suas intenções – e ações – são sempre as melhores. Isso não é muito injusto e incoerente? 

Em Deveria o Homem Aranha ser um herói? citei o conteúdo do diálogo entre Sócrates e Glauco, compilado por Platão, seu discípulo. Seu mestre acreditava que seguir a Justiça era o destino que nos guiava até a felicidade, em detrimento dos bens materiais e fama. No entanto, Glauco alegava que essa visão não refletia a realidade e, inclusive, quem ousasse abdicar da fama e da riqueza, em prol de altos valores morais, seria ridicularizado pelo povo, tratado como um imoral, criminoso. 

 A filosofia explicando o ódio aos heróis
Milênios depois, o filósofo Kierkegaard explorou a temática, chegando à conclusões parecidas, postulando o que chamaria de “duplo perigo”. Essa é uma questão que refere-se ao altruísmo e suas consequências. Como cristão, Kierkegaard focou seus esforços no amor cristão. Jesus – segundo os evangelhos que contam suas histórias, que chegaram a nós após diversas cópias – é autor da máxima que diz que devemos amar ao próximo como a nós mesmos. (De fato, esse é um conselho presente em muitas tradições anteriores, talvez dito somente em outras palavras, como no budismo, taoísmo, confucionismo; mas isso não vem ao caso agora.) Com certeza, isso não é algo fácil de cumprir, existindo algumas dificuldades no percurso de alcançar um altruísmo desse tipo. 

Kierkegaard
Para esse filósofo cristão,  esse amor incondicional implicaria em um primeiro perigo. Teríamos nós que abdicar de nossos desejos pessoais, de nosso ego, travando uma briga interna. Mas essa não é a pior parte. Superado esse entrave, Kierkegaard diz que surgiria outro obstáculo, dessa vez, externo. Alguém que alcançou tal nível de realização, certamente representa a superação dos limites normais humanos no que concerne à prática do altruísmo, limite esse não muito alto. Isso significa que esse indivíduo passaria a contribuir para o bem de todos mas, por outro lado, seria o símbolo que lembraria a todos os demais que eles tem um compromisso para com o próximo, que está sendo negado a todo instante. Imagino que seja algo semelhante à situação em que, passando pela rua, vemos um mendigo e negamos contribuir com uma moeda. Em seguida, passa alguém e deixa uma nota de R$2,00 para o cidadão. Esse doador compadecido com a dor do morador de rua é alguém que, naquele momento, nos lembrou que podíamos ter ajudado mas nos recusamos a fazê-lo. E, em situações mais extremas em nivel moral do que uma simples esmola, as pessoas tendem a reagir de forma inesperada, isto é, não reconhecendo sua falha, sua mesquinharia e egocentrismo, mas indo com fúria em direção àquele que mostrou sua negligência. Aquele que detém o verdadeiro amor ao próximo e age como tal, assim, será tratado com violência (verbal e/ou física),  desprezo e escárnio, sendo chamado de “otário” ou sendo ridicularizado por ter abdicado de si mesmo e prol dos outros. 

O reflexo na mitologia 
Curioso é também o fato de a religião explorar bem esse tema. A figura central do Cristianismo, por exemplo, é Jesus, que – segundo os evangelhos canônicos – era Filho de Deus, sendo também uma divindade – ou o próprio Deus. Seus poderes, assim, seriam infinitos, mas mesmo assim escolheu se doar ao próximo e mostrar quase nada de seu potencial divino. Buda, antes um príncipe indiano da rica casta dos guerreiros, abdicou também de tudo isso em busca do altruísmo, da prestação de alguma ajuda ao próximo. E como ambos foram tratados? Jesus foi ridicularizado e condenado à morte. Buda foi traído por um de seus discípulos, apesar de não ter morrido [para ler sobre mais semelhanças curiosas entre Jesus e Buda, clique aqui]. Essas são histórias que, narrando eventos históricos ou não, mostram que essas questões e conclusões humanas se repetem mesmo na Mitologia.
Homem Aranha salvando os passageiros de um trem, numa clara alusão à crucificação de Jesus

O que os quadrinhos nos dizem
Em Homem Aranha, no primeiro encontro do cabeça de teia com o Duende Verde, ocorre um diálogo interessante. Não reproduzirei na íntegra, mas lembro que o Duende diz que o herói devia estar muito empolgado com seu desempenho, sendo um ser extraordinário usando seus poderes em prol do bem de todos. E as pessoas estavam festejando isso. No entanto, existe algo que as pessoas adoram mais do que serem salvas ou verem um herói acabar com o mal: elas gostam mais de vê-lo cair. 

Acho que o Duende, em toda sua insanidade, tem completa razão. E a explicação para isso talvez seja a mesma que eu dei para a raiva contida que sentimos toda vez que alguém dá a esmola em nosso lugar. E, nas histórias do Homem Aranha existe um personagem que é o arquétipo desse lado mesquinho humano: J. Jonas Jameson, o chefe do Clarim Diário. É impressionante o modo como Jameson tenta arruinar a vida de Peter, querendo a todo custo convertei suas boas ações em atos criminosos e sem escrúpulos. Talvez ele, mais do que outros, em sua extrema arrogância, mesquinharia e visão tacanha, sinta-se envergonhado de ser como é e sinta-se cegado pela luz ofuscante do verdadeiro altruísmo do Homem Aranha, ou pela existência de um propósito nobre que rege sua existência, não só os que naturalmente regem a vida da maioria das pessoas: enriquecer. 




 1- As ilustrações desse post são de autoria de Alex Ross, retiradas do clássico da Marvel de 4 edições: Marvels 

2- A frase que abre o post foi retirada da série Terra X, outro clássico Marvel ilustrado pelo artista.