sábado, 5 de janeiro de 2013

O materialismo espiritual das festas de fim de ano

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Todo fim de ano é a mesma coisa: o Natal e o Ano Novo fazem todos se felicitarem, aplaudir fogos, comprarem grandes perus de Natal e ceiar com amigos e familiares. Além disso, uma verdadeira onda de altruísmo e amabilidade parece perpassar a todos. Eu sempre me pergunto de onde vem tal coisa e qual a sua veracidade e, ainda, se indagar sobre isso é válido ou não. 


Se formos realistas e dermos uma boa lembrada em todo o ano, veremos que a maior parte dele não é preenchida por toda essa alegria e entusiasmo com o próximo. Somos mal educados, temos má vontade, não temos paciência para aturar velhos costumes que se repetem, pecuinhas, ranhetices e etc. Claro, o bom e velho amor também aparece, assim como outros bons sentimentos. Não sou pessimista nesse sentido. 



Natal e Ano Novo é todo dia
 E exatamente por não sê-lo é que eu pergunto: por que não somos capazes de preservar mesmo por 24hs todos os votos feitos no fim de ano? Por que reservar somente tais datas para ficar com a família de bom grado? O que vem na minha cabeça é o chamado materialismo espiritual – termo que vi pela primeira vez em um dos posts no blog do Monge Gensho.


É como se o capitalismo tivesse tragado para si todo o nosso tempo e motivação. Assim como hoje precisamos levar uma vida organizada, sempre de olho no relógio, com hora para comer, tomar banho, chegar e sair de casa, trabalhar, obter lazer, parece que temos também que ter uma hora específica para emanarmos bondade, altruísmo e gentileza. Mesmo que isso ocorra por poucas horas do ano. 


Ao tornar esses atos mais uns dos afazeres programados da nossa lista, a espontaneidade se perde totalmente, bem como a verdadeira raiz de tais atos. Não estou falando isso porque sou um indivíduo super sentimental e sociável, mas porque não é preciso mostrar emoções de forma descontrolada nem sair por aí falando com qualquer estranho para ter uma vida emocional e saber o que são emoções e como vivê-las. E isso tudo é uma espécie de espiritualidade distorcida, por isso o termo materialismo espiritual. 


Materialismo espiritual na religião também

A mesma coisa é a religião propriamente dita. Cristãos vão à missa todo domingo ou mesmo todos os dias, mas a impressão que tenho é que eles trabalham numa empresa e tem que ir lá bater ponto. É uma espécie de troca: “eu vou à missa no mínimo invariavelmente todos os domingos e recebo a Salvação em troca. Mas, peraí, o que é mesmo essa tal Salvação?”. É mais ou menos isso. As pessoas se veem na obrigação de ter um momento específico para se dedicar à religião, à espiritualidade, seja lá como você queira chamar. Mas não conseguem entender que trata-se de colocar isso em prática diariamente, não reservar umas horinhas de algum dia para virar beato.



A mesma coisa é nos atos de solidariedade. Só para sair do pé dos cristãos, citarei pessoas de outras religiões, como certos budistas. Já vi budistas animados por aí em fazer certo ato de caridade ou de compaixão porque isso diminuiria o karma ruim ou aumentaria o bom, não lembro direito. Se essas pessoas compreendessem mesmo a religião que praticam – assim como qualquer um que pratica uma religião – saberiam que não há ação meritória. Se você faz algo visando o resultado, visando o mérito que está, supostamente, conquistando, então não há mérito realmente. Há somente uma relação comercial, um escambo. Quando fizer o bem sem querer querer fazer o bem, ou melhor, sem querer nada, isso sim será um ato correto. Do mesmo modo, devemos não mais achar que devemos marcar dias específicos para sermos de uma forma ou de outra. Adotemos a mudança que queremos somente no fim do ano, para todos os dias (O que não quer dizer de uma hora para outra assumir uma postura santificada. Cuidado para não julgar como hipocrisia o válido esforço para mudar a si mesmo, que ocorre gradualmente - leia mais sobre isso aqui)