quarta-feira, 13 de março de 2013

Asimov ensina ciência aos pós-modernistas

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Os leitores mais assíduos aqui já devem estar acostumados às minhas reclamações sobre o quanto as Ciências Humanas (principalmente o ramo pós-medernista) me decepcionaram, se comparar o que pensava delas antes da faculdade e o que passei a pensar depois. Não é raro ver que na verdade não há uma busca realmente motivada por encontrar a verdade (ainda que nenhuma ciência consiga de fato encontrá-la, mas sim criar modelos mais ou menos eficientes para explicar fenômenos; modelos estes que vão sendo aperfeiçoados com o tempo e mais pesquisas), mas sim pela moralização de determinados conhecimentos. 

Uma das estratégias que vejo com frequência tanto em discussões online quanto as de sala de aula, é dizer que a ciência – se referindo, claro, principalmente à física e biologia – não avança, ela não amplia seus conhecimentos e nem descobre coisas, afinal, suas teorias não são fixas, mudam frequentemente, mostrando que o que foi verdade numa época não o é mais. É o que frequententemente é chamado passionalmente de “descontrução”. Veja um trecho sobre uma crítica a essa postura desconstrucionista (leia na íntegra):


"O Desconstrucionismo é o método através do qual se retira o significado de um texto para se colocar a seguir o sentido que se pretende para esse texto. Este método é aplicado não só em textos, mas também na retórica política e ideológica em geral.
A desconstrução de um texto (ou de uma realidade histórica) permite que se elimine o seu significado, substituindo-o por aquilo que se pretende.
Por exemplo, a análise desconstrucionista da Bíblia pode levar um marxista cultural a inferir que se trata de um livro dedicado à superioridade de uma raça e de um sexo sobre o outro sexo.
A análise desconstrucionista das obras de Shakespeare, por parte de um marxista cultural, pode concluir que se tratam de obras misóginas que defendem a supressão da mulher.
Ou a análise descontrucionista dos Lusíadas de Luís Vaz de Camões, levaria à conclusão de que se trata de uma obra colonialista, machista e imperialista."


Por que atacar as ciências da natureza?

Simples: há uma constante luta de alguns estudiosos das humanidades para distinguir a ciência de suas áreas e a ciência das outras, mais passíveis de formalização matemática, previsibilidade e etc. É como se as críticas metodológicas sofridas pelas Ciências Humanas se tornassem mais amenas diante do argumento de que a ciência tradicional, com toda a sua empáfia, não é mais eficiente que as outras áreas em encontrar as “verdades”. 


Nessa linha, já ouvi muito esta defesa: “Ora, veja, no passado achavam que a Terra era plana, hoje, sabe-se que não é, mais tarde isso pode mudar completamente também! Da mesma forma, o Sol era o centro do Universo, hoje, sabemos que nem mesmo a nossa galáxia é o centro do universo...mas, espere! Mais tarde podemos descobrir que estávamos errados! Nunca se sabe!”

Acho esse um argumento muito capcioso, pois pode ser usado para a defesa de pseudociências como a homeopatia e o tratamento de doenças por uso de florais. Aliás, recentemente assisti a uma apresentação de um grupo na disciplina de fisiologia, em que os alunos diziam naturalmente que a homeopatia e os florais podem tratar depressão, a ciência só ainda não descobriu que pode (!). 

Tal raciocínio também pode ser usado para defender usose abusos de disciplinas mais tradicionais, como a psicanálise. Clique para ler otexto onde aponto o mecanismo de “cara eu ganho, coroa você perde”, que faz apsicanálise estar sempre certa em suas acepções sobre o Inconsciente freudiano
 


Asimov sempre genial, salvando a ciência dos incautos

Por esses dias esbarrei com um texto de Isaac Asimov. Ele argumentava contra uma carta enviada por um professor de literatura inglesa, em que o homem dava um esporro no autor, dizendo que ele estava muito errado em dizer que a ciência atualmente estava revelando muito sobre o funcionamento do universo e etc. Na verdade, dizia o professor, o conhecimento atual pode mudar drasticamente amanhã e passarmos a professar o “fato” de que a Terra é, surpreendentemente, losangular.
 
O escritor de ficção científica argumenta de uma forma eficiente e elegante. Ele mostra muito convincentemente que o que rege o pensamento do pessoal da área de Humanas é a crença de que as teorias científicas ou estão certas ou estão erradas. Isso provoca a conclusão, naturalmente, de que novos fatos emergem do nada, substindo os anteriores, estes, totalmente equivocados. 

Mas não, o processo é gradual. Ele começa dando o exemplo das antigas concepções de que nosso planeta era plano (que você pode acompanhar mais detalhadamente lendo o texto linkado). Os povos que acreditavam nisso não eram imbecis. Tente se despir por uns segundos de nosso conhecimento atual – ao menos finja que consegue. Olhe para o céu ou para o horizonte. Há algo ali que nos indique que o planeta é arredondado? Duvido que exista. 


No entanto, estudiosos foram aos pouco realizando experiências e pensando sobre elas até concluir que não era um astro plano coisa nenhuma. Mas, ora, isso foi sim uma mudança gradual, não foi um rompimento súbito. Asimov mostra que 


The curvature of such a sphere is about 0.000126 per mile, a quantity very close to 0 per mile, as you can see, and one not easily measured by the techniques at the disposal of the ancients. The tiny difference between 0 and 0.000126 accounts for the fact that it took so long to pass from the flat earth to the spherical earth.
Mind you, even a tiny difference, such as that between 0 and 0.000126, can be extremely important. That difference mounts up. The earth cannot be mapped over large areas with any accuracy at all if the difference isn't taken into account and if the earth isn't considered a sphere rather than a flat surface. Long ocean voyages can't be undertaken with any reasonable way of locating one's own position in the ocean unless the earth is considered spherical rather than flat. 



Ou seja, sob um certo ângulo, a conclusão dos povos antigos fazia muito sentido. A curvatura do nosso planeta é muitíssimo próxima de zero, que é o ângulo da curvatura de uma reta, de algo plano. 

Do mesmo modo, a teoria da gravitação universal de Newton não foi descartada quando Einstein nos fez enxergá-la sob outros olhos séculos depois. Continuamos usando as equações do físico rabugento (Newton) para cálculos de situações simples aqui do nosso planeta e até para movimentos no sistema solar. Mas quando vamos tratar de corpos de proporções estelares, a coisa muda de figura e temos de apelar para as equações eisteinianas. É como se a gravidade descrita pelo físico alemão fosse uma ampliação da que Newton estudou tão dedicadamente. 

Portanto, se você é da área de Humanas e está lendo este texto, por favor, não deixe mais que usem esse argumento desonesto sobre a ciência e, claro, você mesmo, não o utilize.