sábado, 13 de abril de 2013

O que eu estudo e o que pensam que eu estudo em Psicologia

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Freud: até hoje discute-se muito se sua criação - a psicanálise - é mesmo psicologia ou um ramo independente. O fato de ser possível virar psicanalista sem graduação em psicologia é sugestivo, não?
Estou já terminando meu curso de psicologia, e nesses quase 5 anos venho convivendo com diversos mitos sobre o que o psicólogo faz e, principalmente, no que concerne à minha situação atual, sobre o que estudam. De certa forma, entendo que para quem está de fora tais temas possam soar um tanto misteriosos – e, de fato, passei por isso ao ficar matutando sobre o que afinal eu iria ver na faculdade, na época do vestibular. Mesmo assim, apesar de equívocos naturais, aparecem alguns que são difíceis de engolir pela própria falta de bom senso.

O psicólogo dos amigos

Um dos que eu mais ouvi do início da graduação até o presente momento, é o equívoco cometido pelos indivíduos que me perguntam o que, afinal, um psicólogo faz num consultório. “Para que serve um psicólogo, se para ficar ouvindo meus problemas eu tenho meus amigos?”. Essa pergunta vem, mais cedo ou mais tarde, direta ou indiretamente.


Esse mito, em muito, deve-se aos próprios filmes e programas de TV que retratam o psicólogo como um sujeito calado, com expressão blasé, em que balançar a cabeça é o máximo de sua expressão emocional. Primeiro, devemos raciocinar e perceber que o material sobre o qual um psicólogo clínico trabalha é o paciente (ou cliente) que fornece. Assim, faz-se necessário uma boa escuta por parte do profissional, e um paciente que também esteja disposto a falar sobre o que o leva ao local. A partir daí, dependendo da abordagem teórica do psicólogo, ele fará conexões, interpretações, podendo até ensinar ao sujeito técnicas para que ele lide com seus próprios conflitos – esse último item não é cumprido por todas as abordagens clínicas, mas a que sei que pratica isso é a terapia cognitivo-comportamental (TCC).


Portanto, sim, se fosse só para falar sem parar e obter um ombro e um ouvido amigo, você teria amigos – cujos serviços são gratuitos (Ficou curioso? In Treatment, uma série da HBO, é ótima e mostra muito bem o ambiente de terapia) 


Ajuda em tempos de seca

Outro elemento desencadeador de certo desgosto em mim são as “demandas” que chegam para mim quando conto para alguém que estudo psicologia. Por que desgosto? Porque enquanto estudantes de medicina recebem perguntas curiosas sobre o organismo humano e doenças, estudantes de direito dão instruções sobre como não ser enganado ou dar o troco numa empresa antiética que violou seus direitos, eu ouço coisas como: “Ih, você é psicólogo! Poxa, estou num dilema com minha namorada, espero que possa me ajudar...”, “Ah, meu namorado apresenta tais e tais características...você acha que ele está me traindo?”, “Cara, to numa seca danada, como faço pra arrumar uma namorada?”.


É...essa terapia que a Helen Hunt faz, interpretando a terapeuta Cheryl Greene, definitivamente não aprendo na faculdade. E nem ninguém. Mas tenho a impressão que as pessoas acham a fantasia mais verossímil.
Reconheço que ser requisitado para tais situações é uma honra, afinal, dilemas da vida pessoal geralmente são revelados aos melhores amigos, sábios e mestres. Mas muitas dessas pessoas me procuram sob as prerrogativas erradas! Muitas o fazem simplesmente porque acham que eu devo lotar minha grade horária com disciplinas como “Como reconhecer se seu parceiro é um pilantra”, “terapia de casais I” ou, ainda, “Passando de ficante para namorado II”. Mais esdrúxulo ainda é quando explico que eu não aprendo psicologia clínica, mas psicologia geral, e o indivíduo insiste, dizendo que eu posso ajudá-lo com os conhecimentos básicos sobre psicologia clínica que eu devo aprender.


Se você não entendeu ainda o motivo pelo qual isso representa o início de uma melancolia mortal para mim, entenda agora. No primeiro período, eu sou bombardeado de disciplinas obrigatórias como Embriologia, Genética, Neuroanatomia, Filosofia I, Sociologia e etc. E isso não muda muito nos períodos seguintes, exceto pelo fato de que muitas disciplinas ligadas à biologia eu elimino no máximo até o terceiro período. Ainda assim, quando começo a ter disciplinas ligadas à minha área mais explicitamente, vejo coisas como Psicanálise, Psicologia da Motivação e Emoção, Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia Social e por aí vai. Viu só? Da mesma forma que um médico não tem uma disciplina chamada “Como apalpar confortavelmente a hérnia do seu paciente”(isso pra não fazer uma piadinha escrota sobre como o médico aprenderia a fazer exames de próstata), nós não temos nada do tipo também.  Devo ainda dizer que 90% da prática relacionada à psicologia clínica relaciona-se com o estágio. Impossível sair por aí dando consultas se não tiver experiência.


O mito do psicólogo extrovertido

Algo que me aconteceu numa situação de interação social num bar me remete à próxima lenda psicológica. Estava eu um tanto quanto quieto em meio à todos os eufóricos colegas sentados à mesa e eis que um deles vira e fala: “Po, cara, você era pra ser o mais zoador daqui...você faz psicologia, po!”.


Muitas pessoas tem esse estereótipo em mente, de que o aluno de psicologia necessariamente é uma figura extrovertida, sacaneadora e articulada. Mas não é! Tenho muitos colegas na faculdade que são tímidos na hora de fazer apresentações para a turma, de falar com estranhos e até mesmo com o professor. Conheço até pessoas que nem mesmo gostam de balada! Fato, muitos alunos são tão expansivos que chega a beirar o ridículo, mas suspeito que isso exista em qualquer curso universitário.


A lenda do psicólogo bonzinho

Acho que por último, posso citar uma expectativa emocional que ronda a minha profissão: o psicólogo bonzinho. Lembro que no colégio onde fiz do C.A. até o segundo ano do Ensino Médio, tinha uma psicóloga muito sinistramente boazinha. Sim, é um termo pradoxal, mas ele é perfeito, pois ela tinha fala mansa, sorrisinho de atendente de loja e andar de pantufas, mas vez ou outra eu percebia que entre um risinho simpaticamente artificial e outro, passavam expressões de raiva e às vezes até nojo pela sua face – ou mesmo nenhuma expressão, mas a face dela neutra era tão assustadora quanto a de raiva, talvez pelo contraste com os constantes sorrisos. Enfim, o quero elucidar aqui é que eu mesmo, desde muito cedo, tive um estereótipo sobre psicólogos. Imaginava-os exatamente como ela – talvez tirando as expressões faciais de emoções negativas que ela mostrada (rs). Mas a vida foi aos poucos me mostrando que eu estava redondamente enganado.


Os psicólogos clínicos – aqueles dedicados à terapia – obviamente devem tentar demonstrar abertura e empatia pelos pacientes, ou eles nunca desenvolverão uma relação de confiança com o terapeuta. Entretanto, leigos parecem achar que TODOS os psicólogos, nas suas mais diversas especialidades – desde neuropsicólogos até os que atuam somente em pesquisa acadêmica – devem ser assim calminhos. Psicólogos não são calminhos, alguns deles apenas tentam observar a si mesmos, tentar perceber suas emoções e não agir impulsivamente. Alguns psicólogos, aliás, são até bem estressadinhos e pessimistas quanto à nossa espécie.


Falando em pessimismo, quem foi que espalhou por aí que os psicólogos bestas pagas para fortalecer o ego do paciente, mergulhando-o num mar de positividade como se estivesse lendo um livro de auto-ajuda barato do Augusto Cury? Acho que forneci uma possível resposta já no meu questionamento: um dos grandes culpados de fato são os livros de auto-ajuda que são escritos por psicólogos e que sempre são encontrados na prateleira de psicologia nas livrarias. Isso deixa os depreparados muito confusos. 

Pessoas vão à terapia para serem guiadas à resolução de seus problemas, e muitas vezes à demolição de seu egoísmo. E quando é necessário, ainda pode-se dar uma boa dose de realismo ao paciente. Nada de consultas onde o paciente vai tomar um banho de positividade. Isso não tem relação nenhuma com a prática terapêutica.

Por fim, gostaria de dizer que espero que tais gafes são naturais de certo modo, afinal, é difícil para um leigo que não sabe nada de psicologia, inferir corretamente no que ela consiste. Então, fica a dica para todos perceberem que a psicologia vai além do consultório, e muito mais além de perguntas como “o que você sente sobre isso?”. Existe um ramo muito interessante, por exemplo, que estuda como a nossa mente – como manifestação da atividade cerebral – foi moldada no ambiente de adaptação evolutiva pela seleção natural e o que significa para nós, termos uma mente num mundo moderno mas moldada para tempos ancestrais: a psicologia evolucionista. Existe ainda um ramo um tanto desconhecido mas muito interessante, que é o estudo das expressões faciais das emoções básicas, em que são mapeados os movimentos musculares responsáveis por cada expressão (sou colaborador do Instituto Brasileiro de Linguagem Corporal - Ibralc, onde escrevo a parte que relaciona expressões faciais, psicologia e neurociência). Então, a mensagem que espero que fique é a de sempre pesquisar e não se deter por informações vagas e estereotipadas, e, ainda, ver que a psicologia é mais ampla do que normalmente se pensa.