Convenhamos: o Brasil não é um país de leitores vorazes.
Lemos pouco e o pouco que lemos não parece ser literatura de qualidade. Meu
objetivo nesse texto não é entrar na polêmica sobre a melhor definição para literatura de qualidade nem em nenhum tipo de objetivismo,
relativismo, subjetivismo ou preconceito. Apenas assumamos que auto-ajuda e romances de banca
– que parecem predominar como os gêneros mais lidos – não são exemplares óbvios
dessa categoria. Também corro o risco de generalizar ao dizer que o brasileiro tem tais hábitos.
Obviamente que nem todos se enquadram aí, eu mesmo sou uma exceção. Tendo
antecipado as críticas mais óbvias, chatas e ingênuas, espero que as eventuais críticas sejam sagazes e que acrescentem algo ao debate que pretendo
suscitar.
Diariamente utilizo ônibus; às vezes uso metrô. Sempre que percebo algum passageiro lendo, tendo a tentar identificar de qual livro se trata. Há muito tempo deixei para trás as
esperanças de encontrar mãos folheando algum bom livro de filosofia, ficção
científica, ciência, história ou mesmo algum clássico de fantasia e aventura.
Só o que vejo são romances eróticos e auto-ajuda. Bom, está certo que muitos
livros de filosofia passam por auto-ajuda, pois a filosofia de algum modo nos
ajuda e muito, mas falo é da auto-ajuda descarada mesmo, do estilo Como Ser Feliz em 10 Lições, ou outra
obra com igual teor trágico. Isso para não mencionar obras de autores como Malafaia e padres em geral.
Aiai...a auto-ajuda
O engraçado é que são sempre livros inúteis mas que passam
um ar de extrema praticidade e serventia. Títulos como Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, Manual dos Jovens Estressados,
Revolucione sua Qualidade de Vida, Mentes Brilhantes – Como Desenvolver Todo o
Potencial do Seu Cérebro, Supercérebro – Como Expandir o Poder Transformador de
Sua Mente, tem uma linda cara de manual que muito faz a cabeça dos cidadãos
hoje em dia, mundo no qual a rapidez, superficialidade e pouca reflexão mandam.
Todos parecem conceber uma fórmula mágica para eliminar
problemas ou expandir habilidades. O pior de tudo é quando algum novo conhecido
ou mesmo alguma senhorinha desconhecida que resolve puxar assunto em filas ou
no ônibus vêm com o papo de livros de auto-ajuda, – ao me ver lendo algo – com
fundamentos completamente pseudocientíficos sobre neurociência e/ou psicologia.
Eu não sei se começo a concordar balançando a cabeça só para não arranjar
alguma discussão infrutífera ou desnecessária ou se resolvo ensinar algo de
útil para aquela pessoa simpática, correndo o risco de fazer com que ela fique
ainda mais confusa e eu ainda mais frustrado.
Igualmente frustrante é quando alguém com toda boa vontade
do mundo vem dizendo que adora psicologia, “especialmente os livros do Augusto
Cury”. Para quem não sabe, esse homem é psiquiatra (ou psicólogo, sei lá, ele
parece não se decidir qual dos dois é, pois em cada entrevista diz algo
diferente) e renomado [seja lá o que isso realmente signifique em termos de qualidade] autor de livros de auto-ajuda que nada tem de psicologia.
Para não ser completamente chato, posso até dizer que os livros do Cury são de
psicologia popular ou psicologia do senso comum (folk psychology), o que não tem relevância alguma para a psicologia acadêmica, a que eu estudo na faculdade e nos livros decentes. Portanto, se
você é um ávido leitor desse tipo de literatura, não se vanglorie achando que
gosta de psicologia ou que sabe algo de psicologia. No máximo você deve usar
isso como porta de entrada para começar a ler uma biblioteca inteira de livros
realmente válidos sobre a área.
Leituras superficiais
Não estou necessariamente sugerindo que todos sejam
eruditos, ávidos leitores de filosofia, que se especializem em grego ou
sânscrito ou que tenha como livro de cabeceira algum exemplar escrito por
Popper. Todo mundo gosta também de ler uma aventura, algo divertido e que
acelere os batimentos cardíacos. No entanto, muitas obras desse tipo possuem
também um plano de fundo reflexivo que deve ser levado em conta não só para
enriquecer o enredo e a ação, mas para trazer as reflexões para o cotidiano do
leitor.
Portanto, esse é um texto desesperado, por ver a qualidade reflexiva das pessoas se diluindo cada dia mais - ou por desconfiar que essa qualidade é algo que idealizei e que nunca reproduziu a realidade. Seja qual for o caso, está na hora de mudarmos, nem que se comece lendo artigos da SuperInteressante e comprando os livros que eles indicam nas referências - foi assim comigo. Sei também que muita gente estuda que nem louca e trabalha também, então o tempo que sobre é pouco. Mas não aceito o argumento de que 99% das pessoas simplesmente não se aprofundam em nada porque não tem tempo. É claro que existe má vontade entremeada nesse tecido de impossibilidades práticas da vida cotidiana do grosso da população.
[Esse problema é muito mais profundo do que eu supus nesse texto, obviamente. Existe também o fator situacional. As pessoas não começam a se interessar por algo do nada. Em algum momento, aquele assunto deve se apresentar a ela de forma coerente com sua realidade. Desse modo, uma criança que tem pais que a incentivam a ler bons livros, que estimulam sua curiosidade e criatividade, provavelmente terão mais chances de "produzir" um jovem adulto mais informado e curioso sobre a realidade em que vive.]