sábado, 7 de setembro de 2013

Focando sua mente de macaco

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Regras, regras, regras!
Se tem regras não é zen.
Elas me deixam LOUCO!
~Comentário em Ser Zen ou Praticar Zen

Shunryu Suzuki Roshi
Se observarmos bem a nós mesmos, nossa mente também é assim. Nossa mente de macaco, como diria Suzuki Roshi:
...."quando você não acredita no significado da prática que está fazendo neste momento, nada pode ser feito. Está às voltas com o objetivo, com a sua mente de macaco. Está sempre procurando por algo sem saber o que está fazendo. Se você quer ver uma coisa, deve abrir os olhos."... ~Texto de Shunryu Suzuki, extraído do livro "Mente ZEN, mente de principiante"
A nossa mente nunca fica parada, sempre está procurando algo para perscrutar. É como se fosse um esquilo ou um cão, permanentemente farejando tudo à volta.
Isso é lamentável, pois funcionando dessa forma estamos boicotando nossa própria capacidade de aproveitar os momentos, de estarmos presentes verdadeiramente. Pode parecer besteira, mas a atenção plena aplicada a cada coisa que fazemos é importantíssima. E existem formas de cultivar isso.

Toda a cultura japonesa, com todo seu minimalismo e ênfase aos detalhes, é um solo fértil para o desenvolvimento dessas faculdades. As artes marciais japonesas assimilaram todo esse costume, ajudando a formar – e sendo influenciado pelo já existente – todo o corpo de práticas no sentido de nos fazer valorizar cada segundo – afinal, para um samurai, um milésimo de segundo era o suficiente para ser cortado pó uma afiada katana. 

Os  rituais e a formalidade
Bruce Lee
Os rituais são muitas vezes subestimados pela cultura ocidental. Podem ser considerados elementos estritamente religiosos (o que desagrada a quem não tem uma ou a quemé adepto de religião contrária ao ritual proposto) ou protocolo sem sentido, mero “enchimento de linguiça”. Essas práticas planejadas estão presentes em nosso dia-a-dia mais do que pensamos. Da cerveja às sextas-feiras depois do trabalho ao futebol dos domingos, tudo isso se praticado frequentemente vira ritual, por mais laico que seja. E tudo que é ritualizado é também um hábito que pode transbordar para outras esferas da vida.

É o caso da etiqueta japonesa, extremamente rigorosa para nós ocidentais. Mas não julgue como fúteis essas práticas, elas tem um propósito teórico que pode ser belamente funcional. É o caso do cultivo da perfeição em cada simples atividade cotidiana, por intermédio da prática da atenção.
‘Drink your tea slowly and reverently, as if it is the axis on which the world earth revolves – slowly, evenly, without rushing toward the future. Live the actual moment.’ ~Thich Nhat Hanh 
‘Walk as if you are kissing the Earth with your feet.’ ~Thich Nhat Hahn 
Para a mente bem treinada, tomar chá, caminhar e lavar o carro podem ser atividades que nos despertam, que nos dão a oportunidade de ver onde nossa mente está.
Dojo Central da Facerj - referência na prática do aikido

A arte marcial como Caminho (Do)
As artes marciais são um dos caminhos que levam a isso. Quando se entra no dojo, temos de realizar uma série de atos ritualísticos (cumprimentar a foto do Ueshiba, o sensei e aquele que está guiando o aquecimento, no caso de se chegar atrasado). Um japonês diria, ainda, que a prática da arte marcial começa antes mesmo de se pisar no tatame. É do lado de fora, quando tiramos nossos calçados. O modo como os posicionamos revela o estado da nossa mente. Se estiverem todos desordenados, é como nossa mente estará.

Durante a execução das técnicas, a atenção também deve ser mantida. Se tomarmos o aikido como referência, isto deve ser feito de forma ainda mais acurada. A complexidade da arte fica evidente na sutileza e simultânea precisão de cada técnica. É tudo muito leve, mas também muito poderoso se feito de maneira correta. E a maneira mais correta de fazer é esta, focado, atentamente. Cada posição que o corpo assume, cada modificação que isso causa no corpo daquele que recebe o golpe (uke).

Takamatsu Toshitsugu - mestre de ninjutsu
Se fôssemos japoneses, acrescentaríamos algo: não falar. Uma das peculiaridades da didática nipônica é que devemos aprender a técnica sendo uke, enquanto o tori está executando-a. Morihei Ueshiba, fundador do aikido, ensinava assim. Grandes ícones de outras artes marciais como Takamatsu Toshitsugu, mestre de ninjutsu, aprenderam tudo o que sabiam assim também. Este último diz que ficou por anos sendo jogado de um lado por outro por seu mestre. Tudo o que ele fazia era isso, além de falar pouco durante as aulas, saindo de sua boca somente esporros e exortações à disciplina. Isso facilitava à emergência dessa capacidade de penetrar no agora. E mais importante, - para aqueles que não querem apenas desenvolver isso, mas também as propriedades do despertar típicas da prática budista – não falar nos mantém longe do simulacro dualista da realidade à qual estamos mergulhados desde que nascemos e aprendemos a categorizar as coisas, o que causa a maioria dos problemas em nossa vida.

Outro ponto válido estimulado pela prática do aikido é a respiração. Respirar todos nós conseguimos, mas respirar corretamente é uma raridade. Na maioria das vezes, interrompemos nossa respiração normal e a prendemos sem nem mesmo perceber. 

Desenvolvendo a atenção plena como descrevi antes, com pouco tempo de prática, nos tornamos capazes de perceber que ao acessar nosso e-mail interrompemos o inspirar e expirar. Podemos chamar isso informalmente de "apneia por e-mail". E como toda apneia, provavelmente ela traz malefícios.

Na prática da arte marcial, se quisermos fazer direito, temos que saber a hora certa de puxar o ar para dentro e de expirá-lo. Isso tem que ser feito levando-se em conta toda a movimentação que se está fazendo. Quando for esquivar, quando for dar um kime, tudo isso deve se feito em conjunto com o ato de respirar.

“Todas essas coisas, o arco, a flecha, o alvo e eu estamos enredados de tal maneira que não consigo separá-las. E até o desejo de fazê-lo desapareceu. Porque, quando seguro o arco e disparo, tudo fica tão claro, tão unívoco, tão ridiculamente simples.” ~Eugen Herrigel em A arte cavalheiresca do arqueiro zen