quarta-feira, 9 de julho de 2014

O problema não é a dor do Neymar nem a das vítimas do viaduto em MG

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Logo nos primeiros dias após o jogo da seleção brasileira contra a Colômbia, começaram a pipocar pelas redes sociais diversas manifestações sobre a lesão sofrida por Neymar, causada pelo golpe do jogador colombiano. Imagens e status no facebook mostravam piadas, apoio, exaltação e, ainda, comparações. Muitos internautas pareciam estar revoltados com a comoção pública que o incidente teve, enquanto a ponte que caiu em Belo Horizonte (MG), matando algumas pessoas, tinha recebido pouca cobertura, tanto da mídia quanto dos usuários da rede. Fui uma dessas pessoas, embora não tenha me pronunciado de forma efusiva. Mas, diferente de muitos, não creio que Neymar tenha culpa no cartório. Não existe um culpado pontual para o fato de o brasileiro colocar todas as suas forças no futebol e ignorar coisas vital e intelectualmente mais importantes. O verdadeiro culpado da  negligência brasileira com o que realmente importa, é você, somos nós.
É intuitivo que julguemos o incidente em BH como algo mais estarrecedor do que a lesão do atleta, afinal, no primeiro, estamos falando da morte de pessoas. Tudo pela imprudência técnica de uma empresa paga para colocar pontes de pé, e que não conseguiu fazê-lo. O que houve com Neymar, no entanto, é apenas uma intempérie a qual qualquer atleta está sujeito.


Existe, ainda, interferindo nas ressonâncias desses acontecimentos, o fato de estarmos em plena Copa, o que faz com que o interesse de leitores e divulgadores de notícias seja o próprio evento futebolístico. Portanto, suspeito que, mesmo que entrasse em órbita uma nave extraterrestre tripulada por aliens falidos e doentes procurando ajuda terráquea (como ocorre em Distrito 9), veríamos apenas uma nota no rodapé de algum jornal. As pessoas simplesmente olhariam e “Nossa, que triste...Mas...O que será que o Neymar está comendo agora?”.


Essa é uma análise fria. Tal julgamento só pode ser realizado se colocarmos os dois acontecimentos (a saída de Neymar e o desastre em BH) em perspectiva, isto é, analisarmos um ao lado do outro. Num sentido absoluto, somos incapazes de decretar qual acidente deve gerar mais compaixão do público.



Porém, muitos se engajam nessa tarefa analítica. Mesmo nas situações mais inconvenientes, a maioria de nós clama por uma explicação, por uma vítima, por um culpado. Somos fanáticos por dar sentido às coisas. Por isso, muitos dos comentários populares girou em torno do fato de Neymar ser um jogador milionário, com acesso a cuidados médicos exemplares, enquanto a maioria dos brasileiros tem de se contentar com o SUS.


Desde quando o poder aquisitivo de alguém virou critério para determinarmos o quanto esta pessoa está autorizada a sofrer? A população em geral está sim jogada às moscas, dependendo de um sistema falido por negligência, mas mesmo se a situação fosse radicalmente diferente, Neymar ainda estaria fora da Copa. Para um atleta que se preparou por anos para algo dessa proporção, uma exclusão agora funciona como um nocaute.


Por outro lado, deve ser extremamente doloroso para a família dos envolvidos no incidente mineiro, principalmente para a motorista, que, de acordo com o que vi no noticiário, se sacrificou para salvar a filha e os demais passageiros, ver que o mundo está pouco se lixando para sua dor. É nessas horas que uma pessoa se questiona sobre a importância vital que o povo dá a certas coisas, em detrimento de outras muito mais básicas.

Compreendo perfeitamente, portanto, que os envolvidos em ambos os incidentes estejam em posição revoltante, tendo de lidar com o ônus de algo que foi imposto pela imperícia alheia. Todos tem motivos mais do que justificáveis para sofrer, praguejar e até virar as costas para esse patriotismo de verão que invadiu a nação (pelo menos os envolvidos na tragédia de MG, sim). Todavia, o que vejo com cautela e até indignação incontida é a comoção da população. É normal que, como expliquei, em época de Copa, estejamos todos entorpecidos, mas não é desejável. O que vejo é mais uma desculpa, embora vivida por cada um como uma razão legítima, dentre muitas outras, que dizemos a nós mesmos para aliviar nossos interesses miseravelmente pueris. É mais um engodo que usamos para justificar o fato de estarmos privilegiando o entretenimento, a distração. A culpa não é do Neymar, a culpa não é da Copa, a culpa é sua.