domingo, 20 de maio de 2012

O Cérebro e a Face: A simples imitação de uma expressão facial pode modificar nosso estado emocional

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Nos anos 70, o psicólogo Paul Ekman começou a investigar se as expressões faciais seriam universais ou se eram simplesmente um produto cultural. Desde então, contrariando sua própria tese inicial – de que seriam relativos ao contexto social - , Ekman concluiu que existe uma boa quantidade de evidências para deduzir que trata-se de uma característica universal. Apesar disso, pesquisadores discordando nunca faltaram. Um dos focos dessa crítica é a alegação de que o sorriso não se referiria sempre à emoção da alegria (O que é emoção?), mas também a emoções negativas (Birdwhistell, 1970) dependendo da cultura em questão. Não obstante, em parceria com Davidson, Ekman promove um interessante estudo para verificar a afirmação de um contemporâneo de Darwin – o neurologista Duchenne - , de que na verdade haveriam vários tipos de sorriso mas que um seria o legítimo da emoção alegria. Este estudodemonstraria se a hipótese de Duchenne está realmente correta à nível neurológico, o que também fornecerá um importante insight para pensarmos a opinião de Birdwhistell (Ekman & Davidson, 1993). 


No século XIX, o neurologista francês Duchenne, através de vários estudos com pacientes psiquiátricos, tentou mapear toda a musculatura facial responsável por cada uma das expressões de emoções que podemos emitir. Para a emoção alegria, a expressão facial correspondente é muito óbvia: o sorriso. No entanto, segundo sua pesquisa, não existiria somente um tipo de sorriso, mas inúmeros tipos. Um desses tipos somente seria o sorriso legítimo, realmente correspondente à reação emocional natural, os outros teriam uma natureza social, como aquele que damos quando passamos na rua e vimos alguém conhecido; não necessariamente nos sentimos alegres naquele momento, mas é educado e gentil expressar tal gesto. Segundo o francês, os músculos envolvidos nessa expressão legítima da alegria seriam os orbicularis oculi e o zigomático maior. Os outros tipos de sorriso não teriam esse componente essencial que é a contração do orbicularis. 

Um antropólogo do início do século passado, chamado Birdwhistell, parece não ter lido os trabalhos de Duchenne, afinal, conjecturou que o fato de exibirmos sorrisos mesmo em situações cuja emoção em questão não seria a da alegria, provaria o caráter relativo das expressões faciais, fato esse que seria explicado muito bem pelo trabalho de Duchenne. 

Em 1993, Ekman e o neurocientista Richard Davidson, fizeram o primeiro de inúmeros estudos que iriam ver como esse dilema se reflete no cérebro, o que poderia fortalecer a hipótese da universalidade ou a relativista. Estudantes do curso de psicologia da Universidade de Wisconsin se voluntariaram para participar do estudo, em que cada um deles entrava numa sala vazia e pequena, com uma toca cheia de eletrodos e seguiam as intruções do pesquisador, que eram: para medir a atividade do sorriso Duchenne, era solicitado que levantassem suas bochechas (o que acabaria fazendo os orbicularis a se contraírem). Para servir de controle, outra etapa era levantarem os lábios para o alto, como nos sorrisos sociais mesmo. A posição dessa musculatura tinha que ser sustentada por 20 segundos. A atividade do lobo frontal medial, frontal lateral, anterior temporal, central, posterior temporal, parietal e occipital foi medida através de EEG (eletroencefalograma). 

O EEG mostrou que a atividade de ondas alfa era menor no sorriso Duchenne e bem mais intensa em outros sorrisos; sabendo que intensas ondas alfa significam menor ativação cerebral e vice-versa. No sorriso Duchenne, havia ativação bem inferior das ondas alfas em comparação com os outros sorrisos, quando analisada a região anterior da região temporal. Isso significa que o sorriso legítimo provocou uma ativação cerebral muito maior das regiões relacionadas às emoções positivas do que os sorrisos sociais. 

Ekman e Davidson ainda cogitaram a hipótese de essa diferença ocorrer por causas motoras, afinal, o número de músculos envolvidos no sorriso legítimo é maior que nos sociais. Para testar essa hipótese, também realizaram o EEG em voluntários solicitados a mimetizarem a expressão de raiva por 20 segundos. Essa expressão envolve a ação de mais músculos que a dos dois sorrisos. Os resultados mostraram que a ativação da região anterior do lobo temporal não foi diferente no lado esquerdo nem no direito, comparando com a expressão de alegria, ou seja, não houve uma maior ativação cerebral por causa do maior recrutamento de músculos para produzir a expressão de raiva. Assim, foi assumido que a ativação diferencial no lobo esquerdo em relação ao sorriso Duchenne deveu-se à sua natureza emocional mesmo, não à parte muscular/motora. 

Esses achados nos levam a concluir que a hipótese de Duchenne estava certa, sobre fazer uma diferenciação entre diversos tipos de sorrisos. E outra coisa também interessante é que como os voluntários do estudo não estavam naturalmente produzindo esses sorrisos, não estavam, pelo menos inicialmente, sentindo realmente alegria. Todavia, mesmo assim, a simples imitação de uma expressão de uma emoção básica fez com que o cérebro reagisse diferente. Isso nos leva a supor que a modificação do nosso comportamento pode realmente ser um ponto de partida para modificar estados emocionais. 

Referências
  • Birdwhistell. R. (1970). Kinesics and Context. Philadelphia. PA. University of Pennsylvania Press.
  • Duchenne, B. (1862). Mechanisme de la physionomie humaine ou analyse eletrophysiologique de l’ expression des passions. Paris: Bailliére: Duchenne, B. (1990) The Mechanism of Human Facial Expression or an Electro-physiological Analysis of the expression of the emotions (trans. A. Cuthbertson). New York: Cambridge University Press.
  • Ekman, P. & Davidson, R. J.  (1993) Voluntary Smiling Changes Regional Brain Activity, Psychological Science.