quarta-feira, 11 de julho de 2012

Uma longa experiência em meditação pode mudar suas respostas emocionais

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O Ocidente tem se interessado pela meditação desde o tempo dos Beatles, um dos primeiros grupos de astros a se interessar pela prática e trazê-la para cá. Desde então, esse interesse vem sofrendo manutenções que aumentam ainda mais nosso fascínio por ele. 

Uma renovação nesse interesse foi promovida pelo Dalai Lama, que desde sempre manifesta uma mente curiosa, amigável e aberta às investigações científicas sobre as práticas budistas. Nesse sentido, ele vem contribuindo bastante desde as suas próprias explicações em entrevistas e livros até o envio de monges para laboratórios devários países para serem estudados. 

  

Matthieu Ricard é um desses monges. Hoje ele dedica-se à ciência servindo de objeto de estudo para ela, bem como dando dicas sobre experimentos e estudos sobre  meditação, mas no passado o monge foi bem mais ativo. Ricard nasceu em 1946 e recebeu seu doutorado em bioquímica no ano de 1972, no Instituto Pasteur. Durante uma visita ao Himalaia, em 1967, ficou interessado no budismo e dali em diante resolveu seguir a prática, sendo ordenado monge no fim dos anos 70. Nesse meio tempo, vem atuando também como intérprete francês do Dalai Lama. 
Matthieu Ricard

Em estudo publicado esse ano, Levenson, Ekman e Ricard (2012) realizaram experimentos que tinham como objetivo verificar como dava-se a ativação fisiológica e facial do monge frente à estímulos; em inglês, tal ativação é chamada startle response (resposta de sobressalto)

Essa resposta é aquela reação comum que temos ao estarmos distraídos fazendo alguma coisa e então um som alto surge repentinamente. Existe todo um conjunto de características corporais nesse caso, como o encolhimento e levantamento dos ombros, a musculatura tensa e os movimentos de certos músculos faciais (fechar as pálpebras, por exemplo). 


A experiência
O experimento realizado contou com a análise de dois tipos de meditação: a presença aberta e a atenção plena. A primeira trata-se de um estilo meditativo em que o indivíduo mantem uma posição relaxada, sem foco atencional em nada. Dessa forma, segundo os monges, encaramos qualquer estímulo ambiental como somente mais um, sem que despertem nenhuma reação em quem está meditando. A atenção plena é o contrário, isto é, mantem a atenção focada intensamente em determinada imagem mental ou conceito. Porém, em ambos os casos o sujeito está totalmente presente, de forma que pensamentos sobre passado ou futuro não interfiram. 

Como controle, o monge foi submetido a mais duas condições de análise. No modo distração, a atenção era focada em alguma evento do passado, de forma que, ao contrário das outras condições, não havia a presença no aqui e agora. E a última condição, o sobressalto não antecipado, em que não havia instrução nenhuma sobre como se portar, deixando os voluntários totalmente livres. 

Em todas as condições, um estímulo auditivo era emitido e aparelhos especializados detectavam a frequência dos batimentos cardíacos, condutância da pele, amplitude do pulso do dedo, e atividade somática (muscular), além da medição da atividade dos músculos faciais, o que permitia observar, antes e depois, as expressões faciais no momento em que o estímulo é apresentado. Os resultados do monge, que possui 40 anos anos de prática em meditação, foram comparados com os de voluntários (homens) que possuíam algo em torno de 12 anos de prática (com faixa etária e nível educacional semelhantes). 

Os resultados mostraram que no modo resposta de sobressalto, todas as medições permaneceram normais, se comparadas com as do grupo controle. As expressões faciais demonstradas também foram as esperadas, segundo o que a literatura desse tipo de experimento mostra. Porém, Mattieu Ricard mostrou níveis baixíssimos de contração muscular na face (AU 1, 2, 20, 43, 53) [Ekman catalogou os movimentos possíveis dos músculos da face em Unidade de Ação, os AUs]. Os pesquisadores não conseguiram explicar o motivo dessa diferença. Talvez ele já demonstrasse tal diferença antes de ser um praticante de meditação, ou o treinamento meditativo tenha produzido tal diferença; de qualquer forma, essa foi uma questão deixada para futuros estudos. 

Nas outras condições, tanto as de meditação quanto a de distração, foi verificado que o estilo presença aberta foi o que mais gerou inatividade do organismo frente aos estímulos sonoros. E esses resultados são bem compatíveis com a explicação dada pelo monge francês: é realmente como se ele estivesse tão presente no momento que qualquer estímulo fosse só mais um dos componentes desse momento, como se tudo fosse já esperado...sem surpresas. 

Outros resultados
A equipe de pesquisadores realizou outros estudos com Matthieu, mas alguns ainda não foram publicados.

Dalai Lama e outros monges ao lado de cientista em Harvard
Em um desses experimentos, alguns vídeos cujo tema suscitava emoções fortes eram colocados para Ricard assistir. Posteriormente, deveria relatar como se deu a sua experiência emocional. Levenson observou que pessoas não familiarizadas com a meditação, quando respondiam a esse teste, tendiam a ser objetivas. Matthieu, ao contrário, parecia ter uma habilidade incomum para relatar sua experiência, como se ele estivesse tão “equilibrado” que pudesse observar “de fora” suas emoções, seu corpo reagindo emocionalmente, sem ser levado por elas, descrevendo em riqueza de detalhes.

Em outro momento, quando requisitado a lembrar do último momento em sua vida em que sentiu raiva, o monge relatou um evento ocorrido a 26 anos atrás! 

Segundo Levenson, um dos estudos mais tocantes foi o que o monge budista teve que conversar sobre renascimento (renascimento e reencarnação não são a mesma coisa,segundo o budismo, clique aqui para saber mais) com 4 cientistas. O experimento foi organizado do seguinte modo: dois cientistas eram selecionados de acordo com suas boas maneiras e sutileza ao argumentarem contra idéias que não concordam, e em outra rodada, os dois restantes conversavam com o monge, sendo que eles não eram muito conhecidos por maneiras cavalheirescas de agir num debate religioso. A atividade autonômica de todos era medida para detectar níveis de estresse durante a conversa. 

No primeiro grupo, com os cientistas mais amigáveis, todos terminaram a conversa sem níveis significativos de estresse, apesar de os dois cientistas terem variado um pouco durante a papo, ao contrário do monge. Já no segundo grupo, Matthieu obteve os mesmos indicadores, mas os cientistas pareciam estar com um nível de estresse bem maior. A atividade facial de todos foi monitorada também, tendo sido observados mais sorrisos verdadeiros no primeiro grupo. Mesmo assim, após a experiência, mesmo os cientistas mais ranzinzas pareciam estar bastante interessados pelo ex-acadêmico. 

Conclusão
Esses resultados são interessantíssimos; isso sem falar da própria história de Matthieu, um bioquímico que tinha tudo para explodir em sucesso no mundo acadêmico e que desistiu disso para viver como um monge no Nepal. 

O próprio auto-controle em relação a resposta de sobressalto é algo notável, apesar de não acharmos isso significavo em um primeiro momento. Isto é, se é que podemos falar em auto-controle, pois o estímulo nem mesmo é detectado como algo a ser controlado, ele simplesmente está ali mas a ele não é dedicada a mínima atenção especial. 

Escrevendo este texto, fui interrompido uma ou duas vezes pela minha mãe e tive uma clara resposta de sobressalto ao ser chamado por ela – que tem a estranha habilidade de se deslocar pela casa silenciosamente como uma ninja. Então, fico imaginando: como alguém pode não ser afetado por essa resposta tão automática do organismo, algo tão visceral?

Existem amigos meus que criticam o meu fascínio por essas reações dos monges dizendo: “Seria fácil para nós fazer isso se vivêssemos por anos isolados numa montanha, só meditando, comendo e dormindo”. Não acho que seja o caso. 

Nos nossos momentos de solidão, vira e mexe nos pegamos ficando irritados com os comerciais interrompendo os filmes na TV, ou com uma trombada num móvel da casa, ou com qualquer objeto inanimado ou situação. Por que o fato de estarmos solitários numa montanha modificaria tão fundamentalmente reações cuja origem é tão antiga quanto nossos ancestrais hominídeos? 

Além dessas impressões um tanto pessoais, podemos ver que a meditação tem potencial para tornar-se um ferramenta e tanto para o controle do estresse e em outros contextos relacionados ao auto-controle, como já foi mostrado em outro post, nocontexto do auto-controle durante uma dieta. 

Referência:

Levenson, R. W., Ekman, P., & Ricard, M. (2012, April 16). Meditation and the Startle
Response: A Case Study. Emotion. Advance online publication. doi: 10.1037/a0027472