segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Num mundo de mortos, temamos os vivos

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Quando terminei de ler o livro, uma das primeiras coisas que ficou rondando minha cabeça, como se fosse um enxame de abelhas, foi: "Para enlouquecer, basta um empurrãozinho"

Essa é uma tradução livre de uma das mais emblemáticas frases proferidas pelo Coringa, em Batman The Dark Knight. Fico na dúvida se ela retrata de forma justa o perfil dos irmãos Blake, em Walking Dead - A Ascensão do Governador

 Todos passaram por muita coisa, muitos traumas, muitas decepções. Um deles teve que dar vazão ao temperamento agressivo para criar uma barreira entre si e o mundo, de forma que suas fraquezas não pudessem ser reveladas e usadas contra ele mesmo. O outro parece que se valeu de seu temperamento aparentemente introvertido, covarde e sem confiança para passar despercebido pelo mundo, como uma sombra inofensiva, que está ali mas ninguém nota, não representa perigo. 

No entanto, aos poucos vamos vendo que a psicologia dos personagens parece não ser tão linear assim. A frase do Coringa vai parecendo ficar mais óbvia, mais presente, como o zumbido dos mortos-vivos aumentando gradualmente, devagar e sempre, que denuncia o final que todos sabem que vai ocorrer. 

Robert Kirkman e Jay Bonansinga construíram uma origem memorável de um dos maiores e mais psicopáticos vilões de todos os tempos. Em alguns momentos da história, podemos até sentir certa identificação, certa compaixão pelos Blake. Como reagiríamos a um mundo pós-apocalíptico, com criaturas canibais "urubuzando" cada quarteirão, forçando os humanos a permanecerem escondidos como ratos nos esgotos? Difícil responder. Situações extremas costumam revelar o que há de melhor ou pior em nós - ou, talvez, essas situações nos moldem para além do que um contexto usual faria. Assim como um monge budista que passa grande parte de sua vida em mosteiros, em montanhas, não isolado do contato social com outros, mas tendo uma vida cujas contingências ambientais imperfeitas sejam ainda assim mais férteis para que o treinamento da mente [benevolência, compaixão, serenidade etc], pode ser moldado de forma a depois de alguns anos, parecer irreconhecível para seus antigos convivas mundanos. Um mundo infernal pode fazer o mesmo trabalho de modulação, só que nos jogando nas sombras.